1ª Turma do STF recebe denúncia contra Jair Bolsonaro por golpe de Estado
26 de março de 2025, 11h05
Por entender que há materialidade e indícios de autoria em diversos materiais, e não apenas na delação premiada do militar Mauro Cid, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, recebeu nesta quarta-feira (26/3) a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sete aliados, todos acusados de participar de uma tentativa de golpe de Estado.

Alexandre disse que a denúncia tem provas fartas de materialidade e autoria
A decisão diz respeito ao chamado Núcleo 1 da trama golpista, formado por Bolsonaro; Cid; Walter Braga Netto, general de Exército da reserva, ex-ministro e vice de Bolsonaro na chapa das eleições de 2022; Augusto Heleno, general de Exército da reserva e ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) na gestão Bolsonaro; Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro e hoje deputado federal; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e ex-secretário de segurança do Distrito Federal à época dos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023; Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; e Paulo Sérgio Nogueira, general do Exército e ex-ministro da Defesa (em 2022).
Todos se tornaram réus pelos crimes de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio público; e deterioração do patrimônio tombado.
Segundo o procurador-geral da República, Paulo Gonet, os atos golpistas foram coordenados durante anos, começando em meados de 2021, com o início dos ataques deliberados às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral, e culminando com o 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores de Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Falsa inocência
O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, votou pelo recebimento da denúncia contra os oito réus e foi seguido pelos ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
Alexandre apontou que a denúncia descreveu satisfatoriamente os crimes e suas circunstâncias, além de apresentar indícios de autoria. Segundo o ministro, a materialidade dos delitos já foi reconhecida pelo Supremo em 470 denúncias sobre a tentativa de golpe de Estado. Os casos envolvem outras pessoas, mas têm idêntica materialidade. Até o momento, houve 251 condenações e quatro absolvições. Outras 219 ações penais estão em andamento.
Os crimes praticas em 8 de janeiro de 2023 foram “gravíssimos”, destacou Alexandre. Ele mencionou que seis dos oito advogados dos réus reconheceram a gravidade dos fatos, embora neguem a autoria por parte de seus clientes.
“Existe na ciência o viés de positividade. Nossos cérebros têm o viés de lembrar as notícias boas e esquecer as notícias ruins. É uma autoproteção do cérebro. E 8 de janeiro foi uma notícia péssima para a democracia brasileira, para os brasileiros que acreditam em um país melhor. O viés de positividade faz com que esqueçamos o que ocorreu. Não foi um eio no parque. Ninguém ali estava eando, porque estava tudo bloqueado e houve a necessidade de romper as barreiras policiais. Vários policiais se insurgiram contra isso e foram agredidos. Uma policial teve o capacete arrebentado com uma barra de ferro”, disse o relator.
“Temos a tendência de ir esquecendo. E as pessoas de boa-fé que vão esquecendo am a ser enganadas por pessoas de má-fé, com notícias fraudulentas. am a querer criar uma própria narrativa, como eu disse ontem (terça-feira), de velhinhas com a Bíblia na mão, de pessoas que estavam eando, estavam com batom e foram lá ar um batonzinho só na estátua”, ressaltou Alexandre.
O magistrado, então, apresentou um vídeo com cenas de agressões e destruição na Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023. “Nenhuma bíblia é vista, nenhum batom é visto nesse momento. Mas ataques à polícia são vistos, pedido de intervenção militar é visto.”
Responsabilidade de Bolsonaro
Todo o embasamento probatório da denúncia da PGR foi produzido pela Polícia Federal, de forma autônoma e independente da delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, afirmou Alexandre de Moraes. E há provas que corroboram os depoimentos do militar.
Alexandre citou que há indícios robustos de que Bolsonaro agiu, a partir de julho de 2021, para descredibilizar o sistema eleitoral, o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral. Os ataques às urnas começaram em uma live, aram pela reunião com embaixadores, que gerou uma das condenações à inelegibilidade do ex-presidente, e chegaram a ordens para que fossem feitas auditorias nos equipamentos — que provaram que não havia indícios de fraude.
Outros elementos, como mensagens de celular e depoimentos de testemunhas, revelam a participação ativa do ex-presidente no plano de dar um golpe de Estado para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e até de ass o petista, seu vice, Geraldo Alckmin, e Alexandre de Moraes, declarou o próprio ministro.
Por exemplo, mensagens entre o general Mário Fernandes e Mauro Cid demonstram que Bolsonaro acompanhava o planejamento das mortes. Após as eleições, o ex-presidente determinou que os comandantes das Forças Armadas assinassem uma nota a favor da manutenção de bolsonaristas em frente aos quarteis.
E depoimentos dos comandantes do Exército e da Aeronáutica, de acordo com Alexandre, deixam claro que eles discutiram a “minuta do golpe” com Bolsonaro, embora não tenham aderido ao plano.
Outros votos
Flávio Dino rebateu o argumento de que não houve tentativa de golpe porque os bolsonaristas não estavam armados. O ministro citou relatório dos Estados Unidos sobre a invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, que considera “armas” não somente as de fogo, mas também as brancas, como facas, bastões e barras de ferro, entre outras. Ele também mencionou que vários dos golpistas eram policiais militares ou integrantes das Forças Armadas, ainda que não da ativa, e que, assim, portavam revólveres ou pistolas.
Dino também respondeu à crítica de que o STF está exagerando na imposição das penas aos golpistas. “Quem define as penas não é o Judiciário, mas o Legislativo. Quando o Congresso estabeleceu as penas, seguiu a Constituição Federal. Então não é o Supremo Tribunal Federal, o ministro Alexandre de Moraes ou a 1ª Turma que estão fixando penas desproporcionais.”
O ministro ainda contestou a alegação de que o ataque de 8 de janeiro de 2023 não foi uma tentativa de golpe porque “não morreu ninguém”. “Também não morreu ninguém em 1º de abril de 1964. Mas centenas morreram depois. Golpe de Estado mata, não importa se no dia, no dia seguinte ou alguns anos depois.”
Nessa mesma linha, Cármen Lúcia citou o livro A máquina do golpe, da historiadora Heloísa Starling, para afirmar que golpes de Estado não ocorrem de um dia para o outro, e seus efeitos perduram por longo tempo.
“Ditadura mata, ditadura vive da morte, não apenas da democracia, mas de seres humanos que são torturados, assassinados e mutilados quando contrariam os interesses daqueles que estão no poder.”
Cármen afirmou que havia “algo estranho no ar” nos dias seguintes à vitória de Lula contra Bolsonaro. Até por isso, ela sugeriu a Alexandre, então presidente do TSE, a antecipação da diplomação do presidente eleito. A ministra ainda ressaltou como o ataque de 8 de janeiro foi planejado, e não “uma festinha de fim de tarde”.
Presidente da 1ª Turma, Cristiano Zanin disse que a denúncia está “longe de ser amparada apenas em uma delação”, pois se baseia em diversos documentos, vídeos e materiais.
“Alexandre de Moraes fez uma descrição detalhada sobre a prova indiciária contra os acusados. Se isso vai se confirmar ou não, veremos na instrução”, disse Zanin.
O magistrado também destacou que o fato de um acusado não estar presente no ato de 8 de janeiro não significa que ele não participou do plano golpista. Caso contrário, o mandante de um homicídio não seria punido, por exemplo.
Luiz Fux também votou pelo recebimento da denúncia. Porém, disse ser preciso “revisar exageros” na aplicação de penas a bolsonaristas. Ele afirmou que foi por isso que pediu vista no caso da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que pichou com batom a estátua A Justiça, em frente à sede do Supremo, no 8 de janeiro de 2023. Alexandre votou para condená-la a 14 anos de prisão e foi seguido por Flávio Dino.
Rejeição de nulidades
Na terça-feira (25/3), a 1ª Turma do STF negou todas as preliminares levantadas pelos advogados dos denunciados. Eles rejeitaram a anulação da delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; o impedimento dos ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin para julgar o caso; a competência do Plenário da Corte para analisar o processo; e as alegações de cerceamento de defesa.
Os advogados de Bolsonaro e de outros réus alegaram que não houve voluntariedade na delação. Ou seja, Cid teria sido coagido pela Polícia Federal e por Alexandre, relator do caso, para fazer as declarações contra o ex-presidente e os demais denunciados porque foi preso durante as investigações.
No entanto, Alexandre apontou que a iniciativa de colaborar com as investigações foi de Mauro Cid. Como ele estava preso, fazia sentido que a celebração do acordo implicasse sua liberdade.
O ministro garantiu que não interferiu na forma e no conteúdo da colaboração. Ele afirmou que analisou apenas a regularidade, a voluntariedade e a legalidade da delação, bem como a adequação dos benefícios pactuados àqueles previstos na Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013), e os resultados mínimos exigidos pela norma.
Além disso, o relator declarou que convocou Cid para se explicar porque a Lei das Organizações Criminosas permite a rescisão de acordo de cooperação em caso de descoberta de omissões dolosas. Como havia a suspeita de que o militar havia mentido, Alexandre o convocou a se explicar e deixou claro que a descoberta de má-fé poderia levar ao rompimento da colaboração e à volta dele à prisão — algo que está na lei e que não é diferente do que é dito a testemunhas em ações penais, ressaltou o ministro.
Argumentos das defesas
O advogado Celso Vilardi, responsável pela defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), afirmou nesta terça-feira (25/3) que seu cliente não participou de uma trama golpista e que auxiliou na transição do comando das Forças Armadas no final de seu governo.
A declaração foi feita na sessão em que a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal analisa se recebe a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra Bolsonaro e outros acusados de tentativa de golpe de Estado. O julgamento prosseguirá na tarde desta terça, com a leitura do voto do relator, ministro Alexandre de Moraes.
Em sua sustentação oral, Vilardi defendeu a nulidade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, alegando omissão, contradição e falsidade em seu depoimento. Ele também cobrou o integral às provas do processo. O advogado reconheceu a gravidade dos atos de 8 de janeiro de 2023, mas argumentou que Bolsonaro não poderia ser responsabilizado por eles.
“Eu entendo a gravidade de tudo o que aconteceu no 8 de janeiro. Mas não é possível imputar a responsabilidade ao presidente da República, colocando-o como líder de uma organização criminosa, quando ele não participou dos eventos daquele dia. Pelo contrário, ele os repudiou”, disse o criminalista.
Vilardi citou uma declaração do ministro da Defesa, José Mucio Monteiro, dada ao programa Roda Viva, da TV Cultura, para reforçar sua argumentação. Na entrevista, Mucio afirmou que encontrou dificuldades para estabelecer diálogo com os comandantes das Forças Armadas durante a transição de governo e que precisou da intermediação de Bolsonaro.
“Foi o presidente quem determinou a transição e que os chefes militares atendessem ao novo ministro da Defesa. Não é possível compatibilizar isso com uma tentativa de golpe de Estado ou com o uso do comando militar para tal fim”, declarou o advogado.
Vilardi também reiterou as críticas à delação de Mauro Cid. Segundo ele, o tenente-coronel descumpriu o acordo ao ter trechos de seu depoimento divulgados pela revista Veja.
“O delator rompeu o acordo quando permitiu o vazamento da delação. Ele disse que foi um desabafo, mas esse termo é questionável, pois na própria declaração ele sugere que sua confissão não foi voluntária”, afirmou Vilardi. O advogado ainda criticou a Polícia Federal por apontar que Cid mentiu, omitiu informações e se contradisse.
Vilar ainda sustentou que Jair Bolsonaro deveria ser julgado pelo Plenário do STF. Afinal, os atos supostamente praticados têm relação direta com o cargo e teriam sido praticados em função dele, e que Bolsonaro “chegou a ser investigado quando ainda era presidente”. O criminalista ainda alegou cerceamento de defesa.
Já a defesa de Almir Garnier afirmou que a denúncia contra o ex-comandante da Marinha carece de provas concretas de seu envolvimento na suposta trama golpista. Por sua vez, Matheus Milanez, advogado do general Augusto Heleno, comparou a acusação da PGR a uma “teoria conspiratória”, alegando que não há elementos suficientes que comprovem a participação do general em uma organização criminosa.
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