Crises existenciais

Decreto de Trump expande intimidação a escritórios de advocacia

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27 de março de 2025, 8h24

O panorama dos ataques do presidente Donald Trump aos escritórios de advocacia dos Estados Unidos ficou mais sombrio. Primeiro, Trump atacou, com ordens executivas retaliatórias, três bancas: a Covington & Burling, que não reagiu; a Perkins Coie, que respondeu com uma ação judicial; e a Paul Weiss, que fez um acordo com o presidente para escapar das retaliações. Depois disso, Trump expediu uma nova ordem executiva, com o óbvio objetivo de intimidar advogados e bancas que processam o governo.

Donald Trump assina decretos

Donald Trump está em guerra contra escritórios de advocacia dos Estados Unidos

Na nova ordem executiva (ou decreto), intitulada “Prevenção de Abusos do Sistema Jurídico e da Justiça Federal”, Trump manda a procuradora-geral dos EUA (DOJ), Pamela Bondi, “buscar sanções contra advogados e escritórios de advocacia que se envolverem em litígios frívolos, irracionais e vexatórios contra os Estados Unidos ou em questões perante departamentos e órgãos executivos dos Estados Unidos”.

“Advogados e escritórios de advocacia que se envolvem em ações que violam as leis dos Estados Unidos ou as regras que regem a conduta dos advogados devem ser responsabilizados de forma eficiente e eficaz. A responsabilização é especialmente importante quando a má conduta de advogados e escritórios de advocacia ameaça nossa segurança nacional, segurança interna, segurança pública ou integridade eleitoral”, diz o documento.

Trump acusa advogados e escritórios de advocacia de promover ataques partidários, sem fundamento, contra o governo. E conclui que, por isso, devem ser responsabilizados. Assim, ele ordena à procuradora-geral que tome medidas apropriadas, para “recomendar ações disciplinares contra advogados e bancas que parecem violar as regras de conduta profissional”.

O decreto ordena ainda à procuradora-geral que recomende ao presidente a aplicação de medidas punitivas, tais como o cancelamento de credenciais de segurança e a rescisão de contratos com o governo, caso identifique má conduta que justifique ação suplementar, como mover ações frívolas ou se envolver em práticas fraudulentas.

Finalmente, a procuradora-geral deve investigar a conduta de advogados e escritórios que moveram ações contra o governo federal nos últimos oito anos. O decreto não faz referência aos advogados que moveram cerca de 50 ações para tentar anular os resultados das eleições de 2020 a favor de Trump — e que, foram, de uma maneira geral, consideradas frívolas pelos juízes.

Atitude da banca Perkins Coie

A decisão da Perkins Coie de lutar contra a ordem executiva de Trump resultou, até agora, em boas e más notícias para a banca. Má notícia: a Perkins Coie perdeu alguns clientes preocupados com retaliações do governo. Boa notícia: a Justiça Federal parece estar a favor de seus argumentos.

A ordem executiva contra a Perkins Coie cancelou as credenciais de seus advogados para ar informações classificadas do governo, bem como os impediu de entrar nas dependências de órgãos públicos federais. Tal medida impede os advogados de buscar provas para defender seus clientes. A ordem também prevê a rescisão de contratos da banca e de seus clientes com o governo.

Em resposta, a Perkins Coie contratou a banca Williams & Connolly, que moveu uma ação em um tribunal federal no Distrito de Colúmbia alegando que a ordem executiva de Trump é inconstitucional. “A retaliação do presidente Donald Trump representa um assalto inconstitucional não apenas contra a banca, seus advogados e empregados, mas também contra a profissão jurídica e à istração da Justiça”, diz a ação.

A juíza Beryl Howell concedeu uma liminar — mais exatamente, uma  temporary restraining order (TROs) — em que bloqueia partes essenciais da ordem executiva, temporariamente. A julgadora manifestou preocupações com as ações do governo, dizendo que “a comunidade jurídica está observando com horror os ataques do governo contra escritórios de advocacia específicos”.

Atitude da banca Paul Weiss

A Paul Weiss preferiu negociar um acordo com o presidente Trump e a ordem executiva contra ela foi cancelada. A opção da banca decepcionou boa parte da comunidade jurídica, por ela ter se rendido sem uma boa briga. Mas, em um longo e-mail para os advogados e empregados da banca, o chairman da Paul Weiss, Brad Karp, expõs suas razões. Eis alguns destaques:

“Há alguns dias, nossa banca enfrentou uma crise existencial. A ordem executiva poderia facilmente nos destruir. Ela colocou todo o peso do governo sobre nossa banca, nosso pessoal e nossos clientes. Em particular, ela ameaçou nossos clientes com a perda de seus contratos governamentais e a perda de o ao governo, se eles continuassem a usar o escritório para representá-los”.

“Tínhamos esperança de que o setor jurídico se uniria a nós, embora não tivesse feito isso em resposta a ordens executivas visando outras bancas. Tentamos persuadir outras bancas a se manifestarem em apoio público à Covington e à Perkins Coie. E esperamos que outras bancas nos apoiassem, após a ordem executiva do presidente visando Paul Weiss. Para nossa decepção, descobrimos que, longe de nos apoiar, certas bancas estavam tentando explorar nossas vulnerabilidades, solicitando agressivamente nossos clientes e recrutando nossos advogados”.

“Inicialmente, nos preparamos para contestar a ordem executiva na Justiça e uma equipe de advogados da Paul Weiss preparou um processo nas melhores tradições da banca. Mas ficou claro que, mesmo se tivéssemos um sucesso inicial na tentativa de bloquear a ordem executiva em um litígio, isso não resolveria o problema fundamental, que era o de que os clientes percebiam nossa banca como persona non grata pelo governo”.

“Poderíamos impedir que a ordem executiva entrasse em vigor, mas não poderíamos apagá-la. Os clientes nos disseram que não conseguiriam ficar conosco, mesmo que quisessem. Era muito provável que nossa empresa não conseguiria sobreviver a uma disputa prolongada com o governo”.

“Ao mesmo tempo, soubemos que o governo estaria disposto a negociar uma resolução do caso. Então, trabalhando com nosso advogado externo, fizemos exatamente o que aconselhamos, todos os dias, nossos clientes a fazer em litígios do tipo bet the company: conversamos com o governo para ver se poderíamos chegar a um acordo duradouro que não exigisse que comprometêssemos nossos valores essenciais e princípios fundamentais”.

A propósito, litígios bet the company se referem a disputas judiciais que uma empresa pode vencer, mas que vão quebrá-la; por isso, os advogados aconselham o cliente a chegar a um acordo com a outra parte, para trancar a ação.

Brad Karp explicou por que o escritório se comprometeu a prestar serviços jurídicos pro bono para o governo, no valor de US$ 40 milhões, em quatro anos: “São trabalhos significativos, que já fazemos: prestar assistência aos veteranos, combater o antissemitismo e promover a honestidade do sistema de Justiça”. E acrescentou:

“Para ser claro, e para esclarecer a desinformação perpetuada por várias fontes da mídia, o governo não vai ditar os casos que devemos defender, não terá de aprovar nossas ações ou qualquer coisa do tipo. Obviamente, não teríamos — e não poderíamos eticamente — como concordar com isso”.

Karp declarou no e-mail que as decisões incrivelmente difíceis que a liderança do escritório teve de tomar foram guiadas por dois princípios fundamentais: “Um deles é a obrigação de proteger os interesses dos clientes. O outro é a obrigação de proteger os meios de vida de seus 2,5 mil advogados e empregados, assegurando a sobrevivência da banca”.

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