Opinião

Dispensa de recolhimento das custas iniciais pelo advogado é plenamente constitucional e aplicável de imediato

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30 de março de 2025, 13h18

Há anos os advogados pleiteiam alguma providência quanto ao fato de terem que “adiantar” as custas processuais quando precisam “cobrar” ou “executar” um devedor de honorários advocatícios, sendo que, a rigor, apenas o “devedor” deveria arcar com esse custo.

Assim, atendendo ao anseio da classe dos advogados, a OAB obteve, finalmente, em 13 de março de 2025, a promulgação da Lei Federal nº 15.109, que alterou o Código de Processo Civil, especificamente o artigo 82, acrescentando o “paragrafo 3º”, nos seguintes termos:

“Art. 82.

(…)

§3º. Nas ações de cobrança por qualquer procedimento, comum ou especial, bem como nas execuções ou cumprimentos de sentença de honorários advocatícios, o advogado ficará dispensado de adiantar o pagamento de custas processuais, e caberá ao réu ou executado suprir, ao final do processo, o seu pagamento, se tiver dado causa ao processo.” (NR)(negritei)

Como pode se ver, a referida lei federal, acrescentando o “parágrafo 3º” ao artigo 82 do Código de Processo Civil, determinou que “o Advogado estivesse dispensado do adiantamento das custas processuais, nos casos de ações de cobrança, execuções e cumprimentos de sentença de honorários advocatícios”.

Tal lei federal foi motivo de comemoração entre os advogados e a OAB, porque, como dito, vem ao encontro dos anseios antigos da classe dos advogados.

Contudo, como de costume, já tivemos algumas decisões judiciais em primeira instância, entendendo que a referida Lei Federal é inconstitucional, por ferir o princípio da isonomia tributária e por ferir o princípio da competência de iniciativa de propositura da lei, bem como já ouvi casos até que, não seria aplicada a citada lei federal porque o processo já estava em trâmite.

Vejamos então estas três situações que, com todo respeito aos magistrados que assim decidiram, não procedem.

Da constitucionalidade da Lei nº 15.109/2025, pelo princípio da isonomia

Primeiramente devemos atentar para o significado do princípio da isonomia ou da igualdade, que vem estampado em nossa Constituição atual, em seu artigo 5º, “caput”, nos seguintes termos:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)” (grifo da articulista)

Sobre o tema, especificou com grande maestria o grande filósofo grego Aristóteles, o que significa “igualdade”, nos ensinando que:

“Devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”.

 Isso significa dizer que o princípio da igualdade, na verdade, prega que as pessoas desiguais devem ser tratadas desigualmente, o que me parece extremamente coerente na medida em que, as pessoas convivem em uma sociedade em escalas de padrões sociais diferentes, e aí não entro no mérito se isso é justo ou não, mas apenas entendo que, exatamente por essa diferenciação, não podem ser tratadas exatamente da mesma forma.

Spacca

A título de exemplo, o governador do estado de São Paulo, por protocolo oficial deve ser tratado com todo um cerimonial específico, o que não pode ocorrer, na exata proporção, com um gerente de vendas de uma empresa privada, ou mesmo de um órgão público, sem nenhum menosprezo às estas últimas funções, que são dignas como todas as demais, mas apenas para ressaltar que o referido protocolo é dirigido, no caso citado, apenas e tão somente ao governador de estado, o que não indica nenhuma ofensa ao princípio da igualdade, conforme perfeita definição de Aristóteles, acima citada.

Sendo assim, temos que focar na questão em discussão, analisando a situação profissional do advogado. Salvo engano, o advogado, é o único profissional que, em nome da parte privada e agindo de forma privada, representando a pessoa que o contratou, possui capacidade postulatória para atuar em juízo.

Na hipótese acima, além de ser o único profissional que possui capacidade postulatória, ele também vai depender do pagamento dos seus honorários advocatícios contratuais (que não se confundem com honorários sucumbenciais, que só ocorre ao fim do processo, que pode durar dois, quatro, dez ou vinte anos para finalizar e só irá ganhá-los “se vencer a ação”), para poder receber o seu “salário”, vale dizer, para poder receber a sua “verba alimentar”, com a qual deve sustentar a si e à sua família, diferentemente das demais carreiras jurídicas que possuem seus vencimentos garantidos (juiz, promotor, procurador etc.).

Portanto, no mínimo, não é justo que um advogado, como dito acima, diferenciado das demais categorias do Direito, ainda tenha que “adiantar” as custas iniciais de um “serviço que já prestou” e “não recebeu os respectivos salários contratados”, valendo-se do mesmo Judiciário onde já prestou os serviços advocatícios não pagos, para poder sustentar-se.

Logo diante desta situação diferenciada do advogado como profissional, o tratamento diferenciado dado pela citada lei federal, do direito ao não “adiantamento” das custas processuais, me parece que está dentro do que Aristóteles prega como o tratamento igualitário, vale dizer, se enquadra no que o grande filósofo afirma ser “igualdade”.

Da constitucionalidade da Lei nº 15.109/2025, pela não ofensa aos princípios da isonomia tributária e da competência de iniciativa de propositura da lei

Quanto à ofensa aos princípios da isonomia tributária e da competência de iniciativa de propositura da lei, como alegadas em algumas poucas decisões judiciais de primeira instância, “data venia” o equívoco consiste no fato de que, o raciocínio nelas utilizado partiu da premissa equivocada de que a Lei Federal nº 15.109, de 13 de marco de 2025, criou uma isenção de tributo para o advogado, o que feriria a isonomia tributária, com relação às demais carreiras profissionais, e a competência para propor leis dessa natureza.

Contudo, além do que foi acima explorado, sobre o que vem a ser “igualdade”, no seu exato e correto sentido dado pelo grande filósofo Aristóteles, as questões aqui levantadas, decorrentes das referidas decisões judiciais, “data venia” são equivocadas, como dito acima, na medida em que os nobres magistrados alegam a inconstitucionalidade da referida Lei Federal, pelo fato desta trazer uma isenção de tributo ao advogado, usando este termo e este fundamento para ambas as hipóteses alegadas de inconstitucionalidade, de ofensa à isonomia tributária e à competência para a iniciativa de propositura da lei.

Pois bem, agora atento exclusivamente à “afirmação” de que houve uma “isenção de tributo para os advogados”, que me parece o foco da questão, e, por isso, teria ferido os princípios da isonomia tributária e da competência de iniciativa de propositura da lei, o referido equívoco consiste na medida em que “não houve nenhuma isenção tributária para os advogados”, o que houve, dentro do princípio de igualdade, como acima já exposto, foi a “autorização para que estas custas processuais sejam recolhidas a final, por quem de direito, inclusive, se o caso, pelo próprio advogado”.

“Data venia” parece claro que na referida lei federal não há nenhuma isenção de tributo, tanto que o § 3º do Artigo 82, acrescido pela Lei Federal 15.109, de 13 de março de 2025, afirma, com todas as letras que: “o advogado ficará dispensado de adiantar o pagamento de custas processuais. (grifo da articulista)

É até repetitivo ressaltar que a citada lei federal não afirma que o “advogado estará isento de pagar as custas processuais”, mas apenas que “ficará dispensado de adiantar estas custas processuais”, o que significa dizer que, “o Advogado só não precisa adiantar estas custas, porque a final, quem deu causa à ação deverá pagá-la”, inclusive, repito, se o caso, o próprio advogado.

E a conclusão acima me parece óbvia, em razão do que prevê a parte final do referido § 3º, do artigo 82 do Código de Processo Civil, quando afirma que “caberá ao réu ou executado suprir, ao final do processo, o seu pagamento, se tiver dado causa ao processo”. (grifo da articulista)

Ou seja, se o réu ou executado deu causa ao processo, “ele pagará as custas processuais”. Contudo, se foi o Advogado que, inadvertidamente, deu causa ao processo, “é o Advogado que deverá pagar as custas processuais”.

Logo, não há como sustentar que a citada Lei Federal concedeu isenção tributária ao advogado, pois, na verdade, o que ocorreu é que a Lei Federal 15.109, de 13 de março de 2025, apenas permitiu o “diferimento” das custas processuais, e não “isenção tributária”.

E digo mais, concedeu esse direito ao “diferimento” das custas processuais, seguindo o que preceitua o princípio da igualdade, como já desenvolvido acima.

Cabe aqui uma pequena observação, no tocante à ofensa ao princípio da isonomia tributária, referente à Lei Estadual nº 11.608, de 29 de dezembro de 2003 (atualizada pela Lei Estadual nº 17.785, de 03 de outubro de 2023) que prevê hipóteses de “diferimento” das custas processuais, em seu artigo 5º, incisos I a IV, às partes que ingressem em juízo apenas com as ações enumeradas nos referidos incisos, o que implica dizer que, nas demais hipóteses as partes não terão “diferimento” de custas processuais.

Será que nesta previsão acima haveria também uma inconstitucionalidade por ofensa ao Princípio da Isonomia Tributária? Acredito que não, pelo mesmo motivo acima exposto sobre o princípio da igualdade, onde legislador entendeu que estas situações enumeradas no citado artigo 5º, incisos I a IV, são diferenciadas das demais e, exatamente por isso, merecem um tratamento também diferenciado.

Neste sentido, desconheço qualquer medida no sentido de se declarar a inconstitucionalidade da referida lei estadual.

Sendo assim, e voltando especificamente às nossas questões, posso afirmar que, “cai por terra” o principal fundamento das decisões judiciais de primeira instância acima citadas, que entenderam pela inconstitucionalidade da lei federal em questão, quer por ofensa ao princípio da isonomia tributária, quer por ofensa ao princípio da competência de iniciativa de propositura da lei, na medida em que, ambas as “conclusões” referidas partiram da equivocada “premissa” de que houve “isenção de tributo” aos Advogados.

Logo, não havendo “isenção de tributo” aos advogados, como acima explorado, que foi o fundamento para as inconstitucionalidades alegadas, estas também não podem subsistir.

Da aplicabilidade imediata da Lei nº 15.109/2025

Pois bem, a questão aqui me parece que reside no fato de que, a Lei Federal nº 15.109, de 13 de março de 2025, que alterou o artigo 82 do Código de Processo Civil, é uma norma processual, e, por isso, tem aplicação imediata.

Tal questão é resolvida pelo princípio do efeito imediato da norma processual, que estabelece que, tratando-se de lei processual, sua aplicação é imediata, respeitando-se, obviamente, os atos praticados sob a vigência da lei anterior.

E ainda, considerando que a decisão referente à questão de “diferimento” das custas processuais, trazida pela presente lei federal, como também nos demais casos de diferimento de custas processuais e até mesmo de assistência judiciária gratuita, pode ser revista a qualquer momento, nos termos do artigo 99, § 2º, do Código de Processo Civil (aplicado por analogia às hipóteses de “diferimento” das custas processuais), desde que alterada a situação anterior, “data venia” não há o que se falar em impossibilidade de aplicação desta lei federal porque já iniciado o processo e ado o momento oportuno, na medida em que, não há “preclusão” para se reavaliar a questão de “diferimento” das custas processuais, diante de fato novo.

Na hipótese acima, de estarmos com o processo já iniciado, não há nenhum impedimento, diante do fato novo de concessão legal de “diferimento” das custas processuais, que antes não existia.

Logo, considerando que se trata de matéria processual, bem como de questão referente à possibilidade de “diferimento” das custas que antes não havia, logo, de situação que não foi objeto de decisão anterior, é perfeitamente cabível a aplicação imediata da Lei Federal nº 15.109, de 13 de março de 2025, mesmo aos processos já iniciados.

Conclusão

Diante dos argumentos acima desenvolvidos, referentes ao acréscimo do § 3º no artigo 82 do Código de Processo Civil, trazido pela Lei nº 15.109, de 13 de março de 2025, podemos afirmar que a referida lei federal é constitucional, tanto com relação ao princípio da isonomia tributária, quanto no tocante ao princípio competência de iniciativa de propositura da lei, na medida em que não cria nenhuma isenção de tributo ao advogado, bem como é aplicável de imediato, tanto por se tratar de matéria de cunho processual, como também por trazer um fato novo a ser apreciado, ainda que em processos já em andamento.

 


Bibliografia

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