Mais duas bancas dos EUA vão à Justiça contra decretos retaliatórios de Trump
31 de março de 2025, 8h24
Mais dois escritórios de advocacia dos Estados Unidos se somaram à resistência contra ataques retaliatórios do presidente Donald Trump. E mais um escritório fez acordo. As bancas Jenner & Block e WilmerHale decidiram brigar na Justiça Federal contra decretos vingativos de Trump. Já a banca Skadden, Arps, Slate, Meagher & Flom decidiu aceitar as imposições do presidente antes mesmo de ele o decreto que a puniria.

Donald Trump tem atacado escritórios por meio de suas ordens executivas
As duas bancas engajadas na resistência moveram ações judiciais no mesmo tribunal federal em Washington, D.C., onde a juíza Beryl Howell concedeu, recentemente, uma liminar que bloqueou um decreto (chamado nos EUA de ordem executiva) que aplicava uma série de medidas punitivas contra a Perkins Coie.
A ação da Jenner & Block alega que o decreto de Trump é inconstitucional. De acordo com a petição, foi violada a Primeira Emenda da Constituição dos EUA, que garante a liberdade de expressão (por restringir o direito de seus advogados de se manifestar a favor de seus clientes) e a liberdade de associação (por impedir os advogados de se relacionar com seus clientes).
O processo alega ainda que o decreto viola mais dois direitos constitucionais da banca: o estabelecido na Quinta Emenda, que garante o direito ao devido processo (por impedir a banca de representar seus clientes na Justiça), e o estabelecido na Sexta Emenda, que garante ao cidadão o direito à assistência de um advogado de sua escolha.
“Por mais de cem anos, a Jenner tem defendido incansavelmente seus clientes contra todos os adversários, incluindo contra ações governamentais ilegais. Com essa ação, a banca assume essa responsabilidade mais uma vez. Fazer qualquer outra coisa significaria comprometer a capacidade da Jenner de defender zelosamente seus clientes e capitular à coerção governamental inconstitucional”, diz a petição.
A WilmerHale contratou, para representá-la em sua ação, o advogado Paul Clement, ex-advogado-geral dos EUA e uma figura de peso no movimento jurídico-conservador do país (e republicano, tal como Trump). Além das alegações de inconstitucionalidade do decreto, Clement argumenta em sua petição:
“O decreto contra a WilmerHale desrespeita a separação fundamental de poderes. O presidente Donald Trump não tem autoridade para sancionar um escritório de advocacia por representar seus oponentes políticos ou lidar com processos que ele perceba serem contrários aos seus interesses ou aos dos Estados Unidos”.
Até agora, Trump atacou cinco escritórios de advocacia com decretos retaliatórios. Três resistiram aos ataques, por meio de ações judiciais, e dois fizeram acordos. As ameaças contidas nos decretos são basicamente as mesmas.
Uma delas é a extinção de credenciais para ar informações confidenciais do governo e a proibição de entrar em dependências de órgãos públicos federais. A ordem também proíbe funcionários públicos de receber advogados do escritório. Isso impede que os profissionais coletem provas para defender os interesses de seus clientes.
O decreto também manda os órgãos públicos rescindir contratos que as bancas tenham com o governo e, o que pesa mais para o escritório, rescindir contratos e subcontratos que seus clientes tenham com os órgãos públicos federais. A Jenner & Block informa, em sua petição, que 40% de sua receita vem desses clientes.
Razões da vingança de Trump
Trump está direcionando seus ataques a escritórios de advocacia que: 1) trabalharam em investigações e ações judiciais contra ele; 2) empregam ou empregaram advogados que ele considera “inimigos”; 3) representam clientes considerados adversários políticos; 4) movem ou moveram ações judiciais para bloquear suas ordens executivas; 5) têm algum programa de diversidade, equidade e inclusão (DEI).
A banca Jenner & Block, por exemplo, empregou por algum tempo, em 2021, o advogado Andrew Weissmann, um ex-procurador que trabalhou com o procurador especial do Departamento de Justiça, Robert Mueller, na investigação do conluio de Trump e seu comitê de campanha com a Rússia nas eleições de 2016.
A WilmerHale, por sua vez, empregou o próprio Mueller. Além disso, a banca representa o Comitê Nacional Democrata e representou o ex-presidente Joe Biden e a ex-vice-presidente Kamala Harris em suas campanhas eleitorais. Recentemente, a WilmerHale representou um grupo de inspetores-gerais de órgãos públicos, que alegam ter sido ilegalmente demitidos por Trump.
O escritório declarou que moveu a ação, em que pede a concessão de uma liminar para bloquear a vigência do decreto de Trump, para proteger os direitos de seus clientes. No que se refere a ela, a WilmerHale entende que “capitular a uma coerção inconstitucional do governo não está no DNA da banca”.
No caso da Skadden, Arps, Slate, Meagher & Flom, as razões da vingança de Trump não são conhecidas porque um acordo foi fechado antes de a ordem executiva contra a banca ter sido assinada e divulgada.
Há apenas a presunção de que ela cometeu alguns dos “pecados” já condenados por Trump e de que pode haver um dedo de Elon Musk na história. O bilionário publicou uma “crítica irada” contra a banca no X, sua plataforma de mídia social.
Três bancas e uma juíza
O Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) protocolou um pedido no Tribunal Federal de Washington, D.C., em que pressiona a juíza Beryl Howell para se declarar suspeita, “por haver demonstrado, repetidamente, um ‘animus’ contra o presidente Trump”.
A juíza, que concedeu uma liminar à Perkins Coie e vai julgar os casos da Jenner & Block e da WilmerHale, rejeitou o pedido. Para ela, isso não a de “uma tentativa de intimidar o Judiciário independente” e “uma campanha para tentar minar o sistema judicial”.
A julgadora explicou, em sua decisão, que concedeu a liminar porque a ordem executiva de Trump “provavelmente viola a Constituição”. Sobre o pedido do DOJ, ela disse ainda:
“Quando o Departamento de Justiça dos EUA se envolve nessa estratégia retórica de ataque ad hominem (contra a pessoa), os riscos se tornam muito maiores do que apenas a reputação do juiz federal visado”.
“Essa estratégia é projetada para impugnar a integridade do sistema judicial federal e atribuir a culpa ao tomador de decisão por qualquer perda, em vez de atribuí-la às falácias nos argumentos jurídicos substantivos apresentados”, continuou ela.
A juíza escreveu que nenhuma decisão judicial existe no vácuo e que cada parte litigante merece uma audiência justa e imparcial. “Essa é uma promessa fundamental. No entanto, ela não dá direito a qualquer parte — nem mesmo àquelas com o poder e o prestígio do presidente dos Estados Unidos ou de um órgão federal — de exigir adesão à sua própria versão dos fatos e a uma decisão judicial preferida.”
Ela criticou a alegação do Departamento de Justiça de que “há uma necessidade de coibir as contínuas invasões, inapropriadas, ao Poder Executivo do presidente Trump, em todo o país”.
“Essa declaração soa mais como um discurso de um membro do Congresso do que um argumento jurídico. Não tem citação de qualquer jurista, pela simples razão de que a noção expressa reflete um grave equívoco de nossa ordem constitucional.”
“Julgar se um exercício de poder do Executivo é legal ou não, na verdade, é uma função dos tribunais federais, não da procuradora-geral ou do Departamento de Justiça, a quem cabe apenas a defesa vigorosa e rigorosa de ações executivas, o que pode ser útil para os tribunais na resolução de questões legais”, ela escreveu.
Em defesa do Judiciário
Em Wyoming, um grupo de mais de cem advogados, quatro ex-ministros do tribunal superior e um ex-procurador-geral divulgou uma carta em que conclama a Assembleia Legislativa do estado a defender o Judiciário contra os ataques de Trump e seus correligionários — e a “resistir ao desdém temerário aos tribunais”.
“O Judiciário não tem um púlpito de bullying como o Executivo. Não tem uma plataforma de mídia social. Juízes são proibidos de discutir decisões judiciais publicamente. O Poder Legislativo deve, portanto, suprir essa falta. Deve defender o Poder Judiciário e ajudá-lo a exercer seu papel constitucional.”
“Os parlamentares eleitos devem, conforme requerido por seus próprios juramentos, combater esses ataques ao Judiciário, afirmar a independência judicial e lembrar a população de que os mecanismos de recurso — não a violência, a intimidação, convites à ilegalidade e pedidos de impeachment — são o remédio constitucional para decisões judiciais indesejadas.”
Até agora, deputados federais republicanos já apresentaram pedidos de impeachment de seis juízes que concederam liminares destinadas a bloquear a entrada em vigor de ordens executivas de Trump — deputados que juraram defender a Constituição ao assumir o cargo.
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