Instituições em frangalhos

Verdadeiras “elites” no país estão acima da Constituição

Autor

  • é professor emérito das universidades Mackenzie Unip Unifieo UniFMU do Ciee/O Estado de S. Paulo das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região professor honorário das Universidades Austral (Argentina) San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia) doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS catedrático da Universidade do Minho (Portugal) presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

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29 de junho de 2006, 14h46

O ano de 2006 tem reservado ao povo brasileiro a triste descoberta de que a ordem jurídica só deve ser respeitada pelo povo. Há determinados segmentos da sociedade (políticos, sem-terra, marginais, etc.) que têm o seu próprio ordenamento, sem qualquer necessidade de se incomodar em respeitar à Constituição Federal e as leis civis e penais, pois se constituem em “elite” acima da lei.

A primeira destas “elites”, que tem tratamento preferencial, no atual modelo jurídico brasileiro, em relação aos cidadãos, obrigados a obedecer a lei, é indiscutivelmente constituída pela classe dos políticos e dos amigos do rei.

Todos os escândalos revelados diariamente pelas Is e meios de comunicação não levaram ninguém à prisão temporária, tendo o procurador-geral de República, depois de um árduo trabalho de investigação, conseguido apenas denunciar 40 das centenas de pessoas envolvidas, em face dos inúmeros obstáculos colocados pelos detentores do poder às suas investigações.

Todo o dinheiro que circulou entre parlamentares, dirigentes de partidos políticos da situação, empresários e beneficiários de polpudos contratos do governo, que não era do conhecimento nem da Receita Federal, nem da Justiça Eleitoral, está sendo esquecido. Tal misteriosa fortuna surrupiada de conhecimento das autoridades é, muitas vezes, insuficientemente citada e tida como decorrente de “pequenos desvios”, “incorreções da contabilidade”, “pecadilhos a serem perdoados”, nada obstante tudo isto revelar que os tributos arrecadados de todos os brasileiros foram malbaratados.

Ninguém foi preso. Todos continuam pleiteando cargos, benesses e novos mandatos. A Câmara dos Deputados inocentou-os, ao desmoralizar, por inteiro, sua Comissão de Ética. Estão, pois, acima das leis. São intocáveis. Os órgãos de repressão não devem atingi-los, pois são parte deles.

Os sem-terra constituem a outra “elite”. Invadem terras públicas e privadas, prédios do governo e da sociedade, destroem pesquisas científicas, violentam duramente a Constituição e o Código Civil e, embora suas ações sejam enquadráveis no Código Penal, não sofrem nada. Ao contrário, seus líderes — que não aram pelo teste das urnas — declaram que, enquanto o governo não se subordinar a eles, continuarão destruindo as instituições.

E o governo, que não controla os seus próprios partidários ou aliados, muitos profundamente envolvidos em corrupção, peculato, sonegação, concussão, etc., acaricia tais movimentos, adulando-os, incentivando-os, considerando que eles podem fazer o que quiserem, pois estão acima da lei.

O comportamento frouxo do governo é o maior estímulo ao fortalecimento destes bandos de marginais, pois estão colocados à margem do Direito. De rigor, eles são a lei. No melhor estilo de Luiz XIV, que disse: L`Etat c`est moi, dizem La loi c`est moi.

O crime organizado é outra “elite” postada acima dos seguidores da Constituição. Praticam as mesmas violências que os outros grupos, apenas sem pudor e sem preocupação de justificar suas ações por defesa de pretensos e inexistentes ideais.

Hoje, são fortes e mais fortes do que as polícias governamentais, ao ponto de darem-se ao luxo de colocar em pânico uma cidade como São Paulo só para demonstrar sua força, a pretexto de exigir dos governos mais conforto e lazer nos estabelecimentos prisionais, à custa de assassinatos. É uma elite de estupradores da Constituição, não diferente da segunda ou da primeira categoria de pessoas, que se consideram acima de qualquer suspeita ou do ordenamento legal.

Neste quadro, é de se compreender o desalento da população. Sem governo e pertencendo à classe daqueles que, se não obedecerem à lei, serão punidos, os cidadãos vêm desconsolados, as instituições se desfigurarem, não sabendo a quem recorrer, pois o próprio Poder Judiciário de há muito deixou de ofertar a segurança jurídica necessária, nele incluída a própria suprema corte.

As decisões dos tribunais superiores ou dos magistrados, em que suas turmas acertam tanto quanto erram, não permitem hoje dizer que o STF e STJ tenham uma doutrina consolidada sobre nenhum dos grandes temas do Direito. A todo momento, modificam suas decisões, nada obstante o elevado nível de capacitação técnica e de idoneidade moral que ostentam os magistrados que os integram.

Resta a nós, pobres mortais, cidadãos do povo, constatar que, infelizmente, no Brasil as instituições estão em frangalhos.

(Artigo originalmente publicado no jornal Gazeta Mercantil)

Autores

  • é advogado tributarista, professor emérito das Universidades Mackenzie e UniFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras.

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