Opinião

Nulidade das notificações de trânsito não entregues em locais não atendidos pelos Correios

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  • é advogado pós-graduado em Direito Tributário pós-graduando em Direito do Agronegócio atuante nas áreas de Direito Civil e Empresarial e escritor de artigos acadêmicos ligados à Direitos Constitucionais com enfoque especial em temas relacionados à Liberdade de Expressão.

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17 de abril de 2025, 18h28

Os órgãos autuadores utilizam os serviços dos Correios para cientificar os autuados acerca dos processos istrativos decorrentes de infrações de trânsito, enviando notificações que alertam o infrator sobre as consequências de sua conduta e garantem o exercício do contraditório e da ampla defesa, com prazos para defesa ou recursos.

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As correspondências são enviadas ao endereço cadastrado junto à autarquia, cabendo aos interessados manterem suas informações atualizadas para evitar que as notificações sejam entregues em local diverso. Considera-se eficaz a comunicação feita ao endereço cadastrado, mesmo que este não seja o de residência.

Contudo, é frequente que autuados residam em locais de difícil o, especialmente em áreas interiores, os quais muitas vezes não são atendidos pelos Correios. Conforme a Portaria nº 2.729/2021 do Ministério das Comunicações, a entrega domiciliar depende de requisitos como “condições de o” e “placas identificadoras do logradouro”, conforme artigo 12, inciso III.

Embora os Correios tenham abrangência nacional, segundo o Censo de 2022 do IBGE, cerca de 25,6 milhões de brasileiros vivem em áreas rurais, onde frequentemente faltam condições estruturais para a prestação do serviço postal, resultando na não entrega de correspondências.

Dessa forma, há inúmeros casos em que as notificações de infrações de trânsito não alcançam o autuado, que, mesmo com endereço cadastrado corretamente, permanece sem ciência do processo istrativo, por não receber o objeto postal.

Conforme a Lei nº 9.784/1999, que regula o processo istrativo na istração pública federal, a comunicação dos atos públicos será realizada preferencialmente:

“Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo istrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências.

§3º A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.”

O mesmo procedimento é adotado, por exemplo, na Lei Estadual nº 15.612/2021 do Rio Grande do Sul:

“Art. 32. Quando não realizadas por meio eletrônico, as intimações serão feitas aos interessados, aos seus representantes legais e aos eventuais advogados pelo correio ou, se presentes na repartição, diretamente por servidor do órgão ou entidade istrativa.”

Na esfera istrativa, a notificação por edital — publicação em Diários Oficiais — é medida excepcional, a ser utilizada somente quando todas as formas de notificação não forem eficazes, caracterizando-se como ultima ratio. Ainda que os editais possuam divulgação restrita, esta modalidade só deve ser adotada nos casos em que os interessados são “indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido”, conforme previsto na Lei nº 9.784/1999 (artigo 26, § 4º) e na Lei Estadual nº 15.612/2021 (artigo 32, § 2º).

Infelizmente, diante da ineficácia dos serviços dos Correios em locais não atendidos, os órgãos autuadores vêm adotando a notificação por edital sem antes esgotarem as alternativas de notificação pessoal, contrariando o devido processo legal.

A falha na comunicação dos autuados, decorrente da deficiência estrutural dos Correios, prejudica o direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa, já que o interessado não toma ciência do processo istrativo.

Conforme o artigo 23 da Resolução nº 723/2018 do Contran, a notificação por edital (virtual) deve ocorrer somente após o esgotamento das tentativas de notificação por vias postal e pessoal:

“Art. 12º. Esgotadas as tentativas para notificar o condutor por meio postal ou pessoal, as notificações de que trata esta Resolução serão realizadas por edital, na forma disciplinada pela Resolução CONTRAN nº 619, de 06 de setembro de 2016, e suas sucedâneas.”

Ainda que a conjunção “ou” sugira alternativas, a interpretação deve ser feita em conjunto com o artigo 282 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB):

“Art. 282.  Aplicada a penalidade, será expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil, que assegure a ciência da imposição da penalidade.”

A exigência é que se comprove a ciência do autuado, fato que a prática demonstra nem sempre ocorrer de forma adequada. Em vez de, frustrada a notificação postal, proceder com a notificação pessoal e reservar o edital para o caso extremo, os órgãos autuadores utilizam diretamente os meios oficiais sem esgotar as tentativas previstas.

Em situações normais, o órgão autuador recebe o retorno da correspondência não entregue e o procedimento interno deveria então recorrer à notificação pessoal, especialmente quando o infrator reside em municípios de interior ou em áreas não atendidas pelos Correios.

Essa ineficiência pode acarretar nulidades processuais com consequências severas, como a suspensão ou cassação do direito de dirigir, prejudicando cidadãos que dependem deste direito para sua subsistência.

Na prática, diversas decisões judiciais já trataram da matéria. Em julgamento exemplar, a 2ª Turma Recursal da Fazenda Pública do Rio Grande do Sul entendeu pela nulidade de um processo istrativo de infração, pois a notificação não foi entregue pelos Correios e o órgão autuador recorreu imediatamente à notificação editalícia:

“RECURSO INOMINADO. DETRAN. NULIDADE DOS AUTOS DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. NOTIFICAÇÃO POR EDITAL INVÁLIDA. REMETENTE NÃO PROCURADO. ENDEREÇO NÃO ATENDIDO PELOS CORREIOS. SENTENÇA REFORMADA. Nos termos da Súmula 312 do STJ, é obrigatória a existência de uma notificação em relação à autuação da infração de trânsito e de outra notificação acerca da imposição da respectiva penalidade, possibilitando a ampla defesa do notificado, tudo em atenção ao princípio do devido processo legal. No caso concreto, o endereço do autor não era atendido pela entrega domiciliar dos Correios, situação que exige que o destinatário retire a correspondência junto a uma agência dentro do prazo máximo de 07 dias, sob pena de devolução. Inexiste, todavia, prova da ciência do autor quanto à existência de objeto a ser retirado junto aos Correios, fato que não pode ser presumido, mas deve ser comprovado pelo remetente (DETRAN). É consabido que a notificação por edital, ou seja, virtual, deve ser precedida do esgotamento das tentativas de notificação 1) de forma postal; e após, 2) pessoalmente, consoante dispõe o artigo 12 da Resolução nº 404/12 do CONTRAN. Dessa forma, o caso dos autos não se enquadra em nenhuma das situações autorizadoras para notificação por edital, na medida em que inexiste prova de que o demandante tinha conhecimento da correspondência a ele endereçadas, a fim de diligenciar em retirá-la junto a Unidades dos Correios, descabendo falar em presunção, do que se conclui que as notificações realizadas por edital nos processos instaurados contra o autor foram feitas de forma irregular, cerceando o seu direito à ampla defesa. Assim, as notificações realizadas por meio de edital que não se enquadram nas disposições legais, ensejando a nulidade dos procedimentos instaurados contra o recorrente.” RECURSO PROVIDO, POR MAIORIA. (TJ-RS, Recurso Cível 71008598302, rel: Mauro Caum Gonçalves, DJ: 24/7/2019, 2ª Turma Recursal da Fazenda Pública)

O precedente destaca que a autarquia (Detran) tem o ônus de comprovar a ciência do autuado quanto à existência do objeto postal.

Porém, mais recentemente, as Turmas Recursais do Rio Grande do Sul têm entendido que o autuado deve, por si mesmo, buscar as correspondências junto à agência dos Correios:

“RECURSO INOMINADO. TURMA RECURSAL PROVISÓRIA DA FAZENDA PÚBLICA. ANULAÇÃO DE PSDD E PCDD EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE RECEBIMENTO DE NOTIFICAÇÃO. ÁREA NÃO ATENDIDA PELOS CORREIOS. DEVER DO ISTRADO EM SE DIRIGIR À AGÊNCIA DOS CORREIOS PARA BUSCAR OS ARS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DA ISTRADA. “No presente caso, todas as notificações retornaram dos Correios com a informação “Não Procurado”, tendo ocasionado a notificação da autora por edital, e transcorridos os prazos.  Conforme o explicitado no endereço eletrônico dos Correios, o referido apontamento é registrado no A.R. quando o endereço do destinatário não é atendido pela entrega domiciliar, caso em que os objetos não entregues ficam disponíveis, para retirada na agência postal, por um prazo máximo de 07 (sete) dias. Após decorrido o referido prazo, o objeto é então devolvido ao remetente.” (Recurso Inominado Nº 50016671820198210160, 1ª Turma Recursal Provisória Fazenda Pública, Rel: Mirna Benedetti Rodrigues, DJ: 23-04-2024)

Spacca

Tal entendimento onera demasiadamente os habilitados em áreas remotas. Se os Correios não realizam sequer uma tentativa de entrega, não há aviso no endereço, e o autuado não toma ciência do objeto postal, não sendo razoável impor que ele verifique a agência semanalmente.

Ressalta-se ainda que, em alguns municípios, como no município de Jaboticaba (RS) — com 3.779 habitantes, conforme levantamento na Ação Declaratória nº 5000288-38.2025.8.21.0158 —, o serviço postal não faz entregas no centro da cidade.

Ao menos, se houvesse aviso de correspondência, poderia haver presunção de ciência, conforme entendimento da 2ª Turma Recursal da Fazenda Pública do RS, que defendia “a notificação tripla pela via dos Correios para que seja possível a utilização da cientificação por edital” quando o local não é atendido.

Santa Catarina, Paraná e precedentes federais

Contrariamente ao entendimento recente nas Turmas Recursais gaúchas, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina aplica o artigo 282 do CTB, entendendo que “o fato de as correspondências retornarem e de a impetrante não as ter retirado junto aos Correios não supre a obrigação legal da impetrada em esgotar as vias ordinárias para notificação pessoal, como determina o Código de Trânsito Brasileiro”.

O mesmo ocorre na 4ª Turma Recursal do Paraná, que exige a tentativa da notificação pessoal antes de recorrer à via editalícia:

“RECURSO INOMINADO. DETRAN. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO E CERCEAMENTO DE DEFESA. SÚMULA 312 DO STJ. AVISOS DE RECEBIMENTO COM RETORNO “NÃO PROCURADO”. ÁREA RURAL. SERVIÇO POSTAL QUE NÃO ATENDE A LOCALIDADE. NÃO ASSEGURADA A CIÊNCIA DA IMPOSIÇÃO DA PENALIDADE. ART. 282, DO CTB. NÃO ESGOTADAS AS TENTATIVAS PARA NOTIFICAR O INFRATOR. NOTIFICAÇÃO PESSOAL NÃO UTILIZADA. ART. 13 DA RESOLUÇÃO 619/2016, DO CONTRAN. NOTIFICAÇÃO POR EDITAL IRREGULAR. AUTO DE INFRAÇÃO ANULADO. RESTITUIÇÃO DOS VALORES NA FORMA SIMPLES. DANO MORAL NÃO COMPROVADO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.” (TJ-PR – RI 0001174-40.2019.8.16.0169, Rel: Fernanda Bernert Michielin, DJ: 29/03/2021, 4ª Turma Recursal)

Precedentes federais também reforçam a necessidade de dupla notificação para assegurar a ciência do autuado:

“PROCESSUAL CIVIL E ISTRATIVO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. NULIDADE DA INFRAÇÃO. OCORRÊNCIA. DUPLA NOTIFICAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA NOTIFICAÇÃO DA PENALIDADE APLICADA. 1. Não há nos autos registro de tentativa de entrega da notificação de aplicação da penalidade, pois a parte-ré anexou aos autos somente a impressão de 2ª via de notificação, na qual não constam registros de tentativas de entrega ao autor. 2. É pacífica a jurisprudência no sentido da necessidade da dupla notificação do proprietário/condutor do veículo, tanto da imposição da infração, como da aplicação da penalidade, sendo a matéria, inclusive, objeto da Súmula n.º 312 do Superior Tribunal de Justiça. 3. A mera expedição de carta, sem tentativas de entrega ao endereço do infrator, ainda que seguida de publicação de edital, não pode ser enquadrada como meio que assegure a ciência da imposição da penalidade, conforme exigido pela legislação de regência. 4. Há que se considerar, também, que a notificação por edital é medida excepcional, sendo itida somente após esgotadas as tentativas para notificar o infrator ou o proprietário do veículo por meio postal ou pessoal, consoante ressai do art. 12 da Resolução 404/12 do CONTRAN. (…)” (TRF-4 – AC: 5005894-31.2017.4.04.7111, Rel: MARGA INGE BARTH TESSLER, DJ: 13/11/2018, 3ª TURMA)

“ISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO. TRÂNSITO. MULTA. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. NOTIFICAÇÃO DA INFRAÇÃO E PENALIDADE. NOTIFICAÇÃO POR EDITAL. ILEGALIDADE DO ATO ISTRATIVO COMPROVADA. 1. Extrai-se do artigo 256 do NC que a citação editalícia restringe-se aos casos em que a Fazenda não saiba o local onde encontrar o interessado ou o lugar é inível. 2. Hipótese em que o apelado sempre residiu no mesmo endereço, Linha Carrapicho, Fontoura Xavier, RS (E01, COMP2, pág. 03), portanto, não podendo ser considerado como residente em local incerto e não sabido, para que tenha sido notificado por edital. 3. Tendo sido devolvida a carta de cientificação sem o devido cumprimento, constando como motivo da devolução “Não Procurado” (evento 30 – INF2) – a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos se absteve de enviar a correspondência ao destinatário, ao que tudo indica pelo fato do endereço não ser atendido pela entrega postal – e tendo havido apenas uma tentativa para a notificação de autuação e uma tentativa para a notificação de penalidade, não restaram esgotados todos os meios de localizar o infrator, sendo nulo o auto de infração n.º 22.574.373-6, por ausência de notificação válida e, por consequência, do PSDDI n.º 2013/0158542-4.” (TRF-4 – AC 5004961-08.2015.4.04.7118, Rel: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, DJ: 22/08/2017, 3ª TURMA)

Diferentemente das infrações que exigem abordagem imediata, a maioria das infrações só é verificada durante o pagamento dos tributos, no licenciamento ou na renovação da CNH, não havendo previsão que obrigue o condutor a verificar periodicamente se há correspondência a receber.

Fica evidente que o sistema de notificações por via postal é falho e que os órgãos autuadores não têm observado o rigor exigido pela Súmula nº 312 do STJ para a dupla notificação.

Diante disso, nos casos em que o autuado não toma ciência da notificação — pela falha na entrega pelos Correios e posterior notificação por edital sem o esgotamento das demais vias — o Poder Judiciário deve reconhecer as nulidades decorrentes do descumprimento da legislação de trânsito, exigindo das autarquias maior zelo no cumprimento dos procedimentos istrativos para assegurar o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Autores

  • é advogado, pós-graduado em Direito Tributário, pós-graduando em Direito do Agronegócio, atuante nas áreas de Direito Civil e Empresarial, e escritor de artigos acadêmicos ligados à Direitos Constitucionais, com enfoque especial em temas relacionados à Liberdade de Expressão.

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