Geração distribuída de energia e direito dos 'prosumidores' diante das distribuidoras
15 de maio de 2025, 21h22
Há alguns anos, a modificação da matriz energética brasileira é uma realidade perceptível a “olho nu” pela sociedade e pelos cidadãos comuns, de modo que a comentada (e desejada) transição energética já não parece mais tão distante quanto outrora. O crescimento das fontes renováveis de energia no Brasil (especialmente a fonte soltar fotovoltaica), em detrimento das fontes não renováveis historicamente dominantes, tem sido pauta nos mais diversos fóruns de assuntos energéticos, aqui e no exterior.

Segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão oficial do governo federal responsável pela medição dos dados e indicadores energéticos do país, a capacidade de geração de energia solar no Brasil cresceu mais de 2.000% nos últimos dez anos, e, de acordo com a perspectiva da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), deve crescer cerca de 22% ao ano até 2027.
Como causa e consequência, simultâneas, desse cenário de expansão da energia solar no Brasil, está a geração distribuída — regida especialmente pela Lei nº 14.300/2022 e pela Resolução Normativa nº 1.000/2021 da Aneel —, que nada mais é do que, sob os aspectos legal, regulatório e técnico, a possibilidade, a capacidade e o direito de cada pessoa gerar (e consumir) a própria energia elétrica.
Contexto e importância da geração distribuída
A geração distribuída representa um marco na transformação do setor elétrico brasileiro, permitindo que consumidores não apenas reduzam seus custos, mas também se tornem agentes ativos na matriz energética. Essa modalidade promove a descentralização da produção de energia, contribuindo para uma maior sustentabilidade e segurança energética, ao mesmo tempo que condiciona o sucesso deste modelo a processos de conexão eficientes e transparentes e à harmonia na atuação e no relacionamento entre os agentes envolvidos.
Mais do que isso, a geração distribuída, ao transformar aqueles que antes eram meros consumidores também em produtores (e criando os chamados “prosumidores”), lhes conferiu participação ativa e atuação relevante, com maior protagonismo na cadeia energética. A tiracolo, trouxe regras, direitos, deveres, responsabilidades e uma relação mais próxima — e mais complexa — com os demais agentes do setor, especialmente as distribuidoras de energia elétrica.

E é nesse cenário, nem sempre harmônico, de convivência e atuação conjunta com as distribuidoras, que os prosumidores da geração distribuída se deparam com situações que violam seus direitos e, por óbvio, podem e devem ser corrigidas e, sempre que possível, indenizadas.
Papel das distribuidoras de energia
Por limitações técnicas e estruturais, a geração própria de energia, exceto nas minoritárias situações de consumo em tempo real, depende necessariamente da infraestrutura da rede de distribuição de energia, de titularidade e sob a concessão das distribuidoras, para que a energia gerada em cada unidade individual de geração seja recebida, creditada e devolvida ao seu titular para consumo.
As distribuidoras, portanto, assumem papel de extrema relevância no dia a dia da geração distribuída, figurando como agente indispensável ao sistema, sendo de sua responsabilidade desde a permissão de conexão à rede, como a garantia de uma conexão segura e eficiente e a conversão da energia gerada nos respectivos créditos de energia a serem usufruídos pelo prosumidor na outra ponta do processo, o consumo.
Pautadas pela lei e, em especial, pelas regras da Aneel, notadamente a já mencionada REN nº 1.000/2021, as distribuidoras de energia, no âmbito da geração distribuída, são regidas por diretrizes normativas taxativas e específicas e assumem obrigações contratuais que transcendem a mera prestação do serviço público de fornecimento de energia elétrica e adentram a seara da corresponsabilidade pelo bom funcionamento do “sistema” (neste caso, especificamente a dinâmica da geração própria até o consumo, pelos prosumidores).
Distribuidoras como protagonistas e danos a prosumidores
O mesmo protagonismo que confere às distribuidoras papel de tamanha relevância na geração distribuída também lhes impõe o (não tão óbvio) ônus de arcar com as consequências das suas falhas, sobretudo aquelas que ensejam prejuízos significativos para os prosumidores.
E por diversos fatores, entre eles a incapacidade estrutural de acompanhar — ao menos em um ritmo adequado — os avanços técnicos e regulatórios e de se adequar às novas dinâmicas trazidas pela geração distribuída, as distribuidoras têm falhado nas mais diversas frentes de sua atuação e, com isso, comprometido a efetividade da geração distribuída, que, apesar do seu potencial transformador, acaba esbarrando em entraves operacionais, os quais deveriam ser superados pelas distribuidoras.
Tal cenário tem resultado em vícios e descumprimentos significativos nos processos de conexão e homologação dos sistemas de geração própria e mesmo durante a sua operação e geração de energia, gerando insegurança jurídica e prejuízos aos prosumidores, que investem recursos próprios na expectativa de retorno energético e financeiro dentro de prazos razoáveis, mas se veem frustrados diante da ineficiência das distribuidoras.
Dentre as principais falhas protagonizadas pelas distribuidoras nesse processo, destacam-se: (1) os descumprimentos de normas regulatórias e a falta de transparência nas exigências técnicas impostas aos prosumidores nos processos de análise e homologação dos projetos; (2) a morosidade e os constantes e significativos atrasos nas etapas do processo de conexão, especialmente a etapa de obras de rede, e (3) os erros de cobrança, faturamento e compensação de créditos de energia.
Tais situações impõem aos prosumidores consequências financeiras e danos patrimoniais diretos, notadamente a impossibilidade de usufruir dos benefícios da geração própria, como a economia na conta de energia, e o ônus de arcar com obrigações financeiras indevidas, como as cobranças frutos de falhas no faturamento e na compensação dos créditos de energia, além de abalar a confiança dos agentes envolvidos e de desencadear efeitos negativos na imagem e na credibilidade do setor elétrico.
Garantindo direitos dos prosumidores
Além da legislação e da regulação vigentes e aplicáveis ao setor elétrico, que trazem mecanismos pré-determinados de responsabilização dos agentes envolvidos no setor, incluindo as distribuidoras, pelas falhas e demais atos cometidos em desacordo com as normas postas, a jurisprudência brasileira tem se mostrado contundente no sentido de que as falhas das distribuidoras ensejam a responsabilidade integral pelos danos causados aos prosumidores.
Fundando-se na aplicação da teoria do risco istrativo, do princípio da boa-fé objetiva e na responsabilidade objetiva das distribuidoras na condição de concessionárias de serviço público, os tribunais do país têm se mostrado cada dia mais tendentes a acolher as pretensões dos prosumidores que am a Justiça, para coibir ou reparar as falhas cometidas pelas distribuidoras e indenizar os prejuízos daí decorrentes.
A via judicial, inclusive, é naturalmente a ultima ratio da jornada dos prosumidores para a preservação dos seus direitos, eis que também contam com a alternativa de defesa pelo órgão regulador federal (Aneel), pelos órgãos reguladores estaduais e pelos órgãos de proteção aos consumidores (como o Procon), os quais possuem mecanismos próprios de coerção, responsabilização e punição dos agentes infratores — ainda que com capacidade coercitiva menos efetiva do que o Poder Judiciário.
Ao recorrer à Justiça, os prosumidores têm obtido êxitos significativos, como: (1) ordens judiciais obrigando as distribuidoras a cumprirem os seus deveres regulatórios e legais, com prazos específicos e adequados, além da aplicação de penalidades relevantes para os casos de descumprimento; (2) posicionamentos judiciais sensíveis à hipossuficiência (técnica e financeira) dos prosumidores em relação às distribuidoras e (3) acolhimento dos pedidos de reparação de prejuízos por danos diretos e indiretos e por lucros cessantes, oriundos das falhas cometidas pelas distribuidoras nos processos de conexão dos sistemas de geração própria.
Conclusão
O equilíbrio entre o incentivo à geração distribuída e a garantia de um serviço público de qualidade a pela efetiva responsabilização das distribuidoras de energia, em razão do seu relevante papel nessa engrenagem, e pelas falhas cometidas no curso da sua atuação.
O cumprimento dos prazos e demais obrigações não é apenas uma exigência normativa, mas um elemento fundamental para a proteção dos direitos dos prosumidores e para a manutenção da confiança no setor elétrico brasileiro.
Os prosumidores podem e devem buscar os mecanismos que estão à sua disposição para assegurar os seus direitos, especialmente aquele de gerar a própria energia, por meio da dinâmica da geração distribuída. E, para tanto, recorrer ao Poder Judiciário pode ser uma alternativa viável e adequada, seja para garantir que as distribuidoras cumpram com as suas obrigações, seja para que reparem e indenizem os prejuízos a que deram causa.
Fontes e referências bibliográficas:
– BRASIL. Lei nº 14.300/2022, de 06 de janeiro de 2022. Institui o marco legal da microgeração e minigeração distribuída, publicada no DOU em 07.01.2022.
– BRASIL. Lei nº 8.078/1990, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor, publicada no DOU em 12.09.1990 e retificada em 10.01.2007.
– Jurisprudência dos Tribunais de Justiça dos Estados de Pernambuco, São Paulo e Minas Gerais – consultas recentes em bases oficiais.
– de Dados de Micro e Minigeração Distribuída da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Disponível em: https://dashboard.epe.gov.br/apps/pdgd/. o em: 08 abr. 2025.
– Resolução Normativa nº 1.000/2021 – Aneel. Disponível em: https://www2.aneel.gov.br/cedoc/ren20211000.html. o em: 08abr. 2025.
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