Seguros Contemporâneos

Flexibilização da cobertura de invalidez por doença no seguro de pessoas

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  • é consultora jurídica advogada MBA Executivo em Direito: Gestão e Business Law pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ) pós-graduada (MBA) em Direito Securitário pela Escola Nacional de Seguros (ENS) pós-graduada em Direito Processual Civil (Ucam) e Graduada em Direito (Ucam).

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22 de maio de 2025, 8h00

Regulação

A Lei nº 13.874/19 instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica para estabelecer normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador.

Em seguida, o Decreto nº 10.139/19 determinou a revisão e consolidação de atos normativos infralegais. Nesse contexto, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) incluiu em seus planos de regulação a consolidação das normas sobre seguros de pessoas, ampliando a liberdade contratual.

A Resolução CNSP nº 439/22 [1] e a Circular Susep nº 667/22 [2] estabeleceram regras complementares, revogando 16 normativos anteriores e refletindo o avanço regulatório [3].

Lei de Seguros

Com a entrada em vigor da Lei nº 15.040/24 (Lei de Seguros), que revogará os artigos do Código Civil que tratam do contrato de seguro, teremos uma atualização legislativa significativa, o que demandará a revisitação da regulação setorial para que esteja em conformidade com a nova lei.

Apesar dessa evolução regulatória, a flexibilização de produtos e coberturas pode gerar reflexões aos operadores do direito, eis que são enfrentadas situações nas quais o contrato de seguro é tratado de forma superficial, o que pode gerar divergências no Poder Judiciário.

Intervenção mínima

Ainda que prevaleçam os princípios da autonomia privada, intervenção mínima e excepcionalidade da revisão contratual (artigo 421 do CC), alguns setores, como o de seguros privados, recebem intenso controle estatal, prevalecendo o interesse público e social.

Conforme se depreende das análises técnicas constantes nas propostas de alteração das normas aqui analisadas (Circular Susep nº 667/22 e Resolução CNSP nº 439/22), o processo de simplificação regulatória está amparado em diversos estudos nacionais e internacionais que apontaram excessos na regulação do mercado de seguros brasileiro, sendo necessária a revisitação para fomentar um mercado mais competitivo.

O contrato de seguro e seus clausulados são aperfeiçoados levando em conta uma estrutura mínima autorizada e, ainda, os limites impostos pelo órgão regulador — Susep.

Invalidez por doença no seguro de vida

Sem pretensão de abordar a evolução histórica referente à cobertura de invalidez nos contratos de seguro de vida, é relevante relembrar os normativos e como as coberturas foram oferecidas no mercado. A cobertura de invalidez por doença historicamente foi objeto de intervenção e regulamentação estatal. Pela leitura atenta das normas aqui indicadas (e anteriores), a Susep cuidou de conceituá-la ao menos até a edição da Circular nº 667/22:

1992: IPD – Circular Susep nº 17/92 (revogada em 2005);
2005: ILPD ou IFPD – Circular Susep nº 302/05 (revogada em 2022);
2022: Invalidez – Circular Susep nº 667/22 (vigente).

A cobertura de Invalidez Permanente Total por Doença (IPD), prevista na Circular Susep nº 17/92 e em normas anteriores, garante a antecipação do pagamento da indenização relativa à garantia básica em caso de invalidez permanente total consequente de doença. A IPD é configurada quando não se pode esperar recuperação ou reabilitação com os recursos terapêuticos disponíveis quando da sua constatação, com comprovação através de declaração médica.

Na Circular Susep nº 302/05, que revogou a Circular nº 17/92, constaram dois conceitos e duas coberturas para a hipótese de invalidez por doença — Invalidez Laborativa Permanente Total por Doença e Invalidez Funcional Permanente Total por Doença.

A cobertura de ILPD garante o pagamento de indenização em caso de invalidez laborativa permanente total consequente de doença. É considerada ILPD aquela para a qual não se pode esperar recuperação ou reabilitação, com os recursos terapêuticos disponíveis no momento de sua constatação, para a atividade laborativa principal do segurado, com comprovação através de declaração médica.

Já a cobertura de Invalidez Funcional Permanente Total por Doença (IFPD) garante o pagamento de indenização em caso de invalidez funcional permanente total, consequente de doença, que cause a perda da existência independente do segurado. É considerada perda da existência independente a ocorrência de quadro clínico incapacitante que inviabilize de forma irreversível o pleno exercício das relações autonômicas do segurado, comprovado na forma definida nas condições gerais e/ou especiais do seguro e através de declaração médica.

Em termos práticos, a ILPD se diferencia da IFPD por prever cobertura securitária para eventos decorrentes da relação de trabalho, enquanto a IFPD os exclui.

A Circular Susep nº 667/22, por sua vez, inovou ao não conceituar a garantia de invalidez por doença, sendo certo que o regulador deixou a cargo das seguradoras a sua definição, a partir do quanto previsto nas condições contratuais (artigo 69), o que, possivelmente, será mantido na atualização regulatória que se espera a partir da Lei de Seguros.

Portanto, oportunidades mercadológicas surgirão com novos produtos e coberturas, ainda que abrindo espaço para outras discussões e possíveis litígios sobre o tema. Para as seguradoras, resta também o desafio em deixar suas cláusulas contratuais mais competitivas, mas permitindo que constem cada vez mais informações claras e precisas a respeito da cobertura contratada, a fim de evitar qualquer dúvida ou até mesmo não induzir os segurados em erro.

Código Civil x CDC (contratação individual e coletiva)

Como visto, em que pese a iniciativa do Estado para simplificação regulatória no mercado de seguros brasileiro, o contrato de seguro, por essência, continua complexo e desafiando constantemente os operadores do direito.

Indo direto ao Código Civil ainda em vigor, a relevância do contrato de seguro fica evidente na medida em que nos deparamos com capítulo próprio e 45 artigos específicos sobre essa espécie de contrato.

Embora a relação de consumo seja matéria controversa quando analisamos o contrato de seguro, o Código de Defesa do Consumidor define contrato de adesão como sendo aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo (artigo 54).

A partir da leitura atenta do Código Civil, CDC e jurisprudência correlata, é possível afirmar que o contrato de seguro, em regra, é considerado de adesão, aplicando-se os ditames do CDC, podendo haver exceção quando estivermos diante de relação contratual coletiva, com a presença de estipulante [4], o qual, em regra, discute com o segurador as coberturas e as cláusulas do contrato de seguro de vida em grupo, sem a participação dos segurados, conforme já decidido pelo STJ [5].

Tal como definido no artigo 2º da Resolução CNSP nº 434/21, o estipulante é a pessoa natural ou jurídica que contrata por meio de apólice coletiva de seguros, ficando investido de poderes de representação dos segurados perante as sociedades seguradoras.

Nos termos do artigo 767 do Código Civil, a seguradora pode opor ao segurado toda e qualquer defesa que tenha contra o estipulante por descumprimento das normas de conclusão do contrato. Tais dispositivos estão em consonância com o quanto previsto no Decreto-Lei nº 73/66, tendo previsão expressa no sentido de que o estipulante representa os segurados, sendo, pois, o mandatário destes.

Cobertura de invalidez e dever de informação

Em 18/10/21, ainda sob vigência da Circular Susep nº 302/05, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou a seguinte tese nos Recursos Especiais nº 1.845.943/SP e 1.867.199/SP, afetados sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema Repetitivo 1.068 [6]):

“Não é ilegal ou abusiva a cláusula que prevê a cobertura adicional de invalidez funcional permanente total por doença (IFPD) em contrato de seguro de vida em grupo, condicionando o pagamento da indenização securitária à perda da existência independente do segurado, comprovada por declaração médica.”

Nesse precedente qualificado, o STJ consignou que existem diferenças entre as coberturas de Invalidez Laborativa Permanente Total por Doença (ILPD) e de Invalidez Funcional Permanente Total por Doença (IFPD), as quais foram criadas pela Susep justamente para substituir a então controvertida cobertura de Invalidez Permanente por Doença (IPD), a qual, sendo muito ampla, gerava discussões judiciais intermináveis.

O Tribunal entendeu que as coberturas de ILPD e IFPD, em que pesem restritivas, não poderiam ser colocadas como abusivas ou ilegais, estando, pois, em linha com os ditames do CDC, conforme já decidiu a 3ª Turma do STJ [7].

Por outro lado, a Corte Superior também definiu quem carrega o dever de informar o grupo segurado nos seguros coletivos. Nos Recursos Especiais nº 1.874.811/SC e 1.874.788/SC, sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 1.112 [8]), a 2ª Seção firmou a seguinte tese:

“(i) na modalidade de contrato de seguro de vida coletivo, cabe exclusivamente ao estipulante, mandatário legal e único sujeito que tem vínculo anterior com os membros do grupo segurável (estipulação própria), a obrigação de prestar informações prévias aos potenciais segurados acerca das condições contratuais quando da formalização da adesão, incluídas as cláusulas limitativas e restritivas de direito previstas na apólice mestre, e
(ii) não se incluem, no âmbito da matéria afetada, as causas originadas de estipulação imprópria e de falsos estipulantes, visto que as apólices coletivas nessas figuras devem ser consideradas apólices individuais, no que tange ao relacionamento dos segurados com a sociedade seguradora.”

Antes mesmo desse último precedente, a 3ª Turma do STJ, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.825.716/SC, já vinha entendendo que o dever de informação prévio se dá de modo distinto, a depender da modalidade da contratação, se individual ou se coletiva (em grupo). Isso porque, por ocasião da contratação do seguro de vida coletivo, não há, ainda, um grupo definido de segurados, de modo que o segurador, ainda que quisesse, não poderia dar ciência ao segurado a respeito das cláusulas contratuais, ao revés do que ocorre na contratação individual, onde há a oportunidade de esclarecimentos na fase pré-contratual.

Assim, a Corte afirmou que “no contrato de seguro coletivo em grupo cabe exclusivamente ao estipulante, e não à seguradora, o dever de fornecer ao segurado (seu representado) ampla e prévia informação a respeito dos contornos contratuais, no que se inserem, em especial, as cláusulas restritivas”.

No mesmo sentido, a 4ª Turma do STJ, no Recurso Especial nº 1.850.961/SC, também já havia afirmado que “o dever de informação, na fase pré-contratual, é satisfeito durante as tratativas entre seguradora e estipulante, culminando com a celebração da apólice coletiva que estabelece as condições gerais e especiais e cláusulas limitativas e excludentes de riscos.

Na fase de execução do contrato, o dever de informação, que deve ser prévio à adesão de cada empregado ou associado, cabe ao estipulante, único sujeito do contrato que tem vínculo anterior com os componentes do grupo segurável. A seguradora, na fase prévia à adesão individual, momento em que devem ser fornecidas as informações ao consumidor, sequer tem conhecimento da identidade dos interessados que irão aderir à apólice coletiva cujos termos já foram negociados entre ela e o estipulante”.

O estipulante exerce um papel fundamental na prestação de informação adequada ao grupo segurado nos seguros coletivos.

Considerações finais

Com a simplificação regulatória e a partir da flexibilização gerada pelo órgão regulador relacionada à cobertura de invalidez por doença (Circular Susep nº 667/22 e Resolução CNSP nº 439/22), podem surgir novas interpretações e discussões judiciais não só a respeito do cumprimento do dever de informação pelo segurador ou estipulante, mas sobre a validade de cláusulas contratuais, sendo importante a diferenciação entre os seguros individuais e coletivos.

Caso surjam discussões sobre novos clausulados definindo a cobertura de invalidez por doença, diante de tudo que já se viu até aqui e, ainda, a partir da intenção do regulador versus atual jurisprudência sobre o tema, é provável que o Poder Judiciário entenda pela inexistência de vício na contratação, não havendo que se falar em nulidade de cláusulas contratuais decorrentes de novos produtos, levando em conta a abertura regulatória proporcionada pela Susep.

É importante registrar que o segurador precisa se esforçar constantemente para que o contrato de seguro se torne cada vez menos complexo e mais moderno, com cláusulas contratuais claras, em especial aquelas limitativas e restritivas, possibilitando a adequada interpretação pelos segurados e estipulantes, o que acaba fomentando o mercado, incentivando novas contratações e eliminando litígios desnecessários.

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[1] A Resolução CNSP nº 439/2022 revogou: I – a Resolução CNSP nº 05, de 10 de julho de 1984; II – a Resolução CNSP nº 117, de 22 de dezembro de 2004; III – a Resolução CNSP nº 129, de 6 de julho de 2005; IV – a Resolução CNSP nº 130, de 17 de outubro de 2005 V – a Resolução CNSP nº 137, de 18 de novembro de 2005; VI – a Resolução CNSP nº 315, de 29 de setembro de 2014; VII – a Resolução CNSP nº 329, de 22 de setembro de 2015; VIII – a Resolução CNSP nº 352, de 20 de dezembro de 2017; IX – a Resolução CNSP nº 365, de 11 de outubro de 2018; e X – o art. 1º da Resolução CNSP nº 362, de 21 de junho de 2018.

[2] A Circular SUSEP nº 667/2022 revogou: I – a Circular Susep nº 302, de 20 de setembro de 2005; II – a Circular Susep nº 316, de 12 de janeiro de 2006; III – a Circular Susep nº 317, de 16 de janeiro de 2006; IV – a Circular Susep nº 516, de 3 de julho de 2015; V – o Capítulo II da Circular Susep nº 535, de 28 de abril de 2016; VI – a Carta Circular Susep/DETEC nº 8, de 18 de outubro de 2007; VII – a Carta Circular SUSEP/DETEC/GAB/nº 01, de 17 de junho de 2009; e VIII – a Carta Circular Susep/CGPRO nº 2, de 14 de abril de 2011.

[4] “Art. 801. O seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica em proveito de grupo que a ela, de qualquer modo, se vincule.

  • 1º O estipulante não representa o segurador perante o grupo segurado, e é o único responsável, para com o segurador, pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais.”

[5] 3ª Turma, REsp 1.102.848/SP, Min.ª Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Min. Massami Uyeda, j. 03/08/10.

[6] aqui.

[7] 3ª Turma, REsp 1.449.513/SP, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 05/03/15.

[8] aqui.

Autores

  • é consultora jurídica, advogada, MBA Executivo em Direito: Gestão e Business Law pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), pós-graduada (MBA) em Direito Securitário pela Escola Nacional de Seguros (ENS), pós-graduada em Direito Processual Civil (Ucam) e Graduada em Direito (Ucam).

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