Juízes municipais podem solucionar lentidão da Justiça
28 de fevereiro de 2008, 17h07
1. O Judiciário e a explosão de processos
A enorme quantidade de processos nos Juízos e Tribunais, fenômeno decorrente da dinâmica da vida moderna, aliada ao absoluto e ir o ao Poder Judiciário dado pela Constituição Federal de 1988, ocasionaram inquestionável acúmulo de processos no Poder Judiciário. Prestigiado pela sociedade, que ingressa cada vez mais na Justiça, paradoxalmente ou o Judiciário a ser por ela criticado, já que não consegue dar vazão aos pedidos de todos que o procuram. Trata-se de fato por todos conhecido e que dispensa maiores comentários.
2. A busca de soluções
Tal estado de coisas tem estimulado a busca de soluções. A parcial reforma do Judiciário, que resultou na Emenda Constitucional 45/2004, foi uma delas. Experiências novas criadas pelos próprios Tribunais, Conselho Nacional de Justiça, Escola Nacional de Aperfeiçoamento de Magistrados, unificação dos Tribunais de Alçada aos de Justiça, novas Varas, informatização e outras tantas iniciativas, foram e vem sendo tomadas. Mas a morosidade persiste. Dos que se utilizam do serviço judicial aos que o ministram, parece que ninguém está satisfeito.
3. A descentralização dos serviços públicos
A complexidade da vida moderna, o gigantismo das principais cidades e a simples grandiosidade do território pátrio ou de alguns estados, levam à necessidade de descentralização dos serviços públicos. A istração pública, por si só, é complexa. Mas o gigantismo a torna mais lenta e burocrática. O elevado grau de corrupção multiplica as formas de controle e, com isto, as soluções se tornam mais cautelosas e demoradas. É por isso que, em diversas atividades, busca-se a descentralização como forma de maior efetividade. Acredita-se que o local é cobrado e fiscalizado mais de perto pela população e, por isso mesmo, mais ágil e voltado para o interesse público. Assim, para dar-se apenas um exemplo, as Guardas Municipais, cuja vocação constitucional (art. 144, § 8º) é apenas a de proteger os bens, serviços e instalações do município, acabam por assumir funções outras (por exemplo, o município de Limeira, SP, possui Polícia Ambiental).
4. Os juízes municipais
O Brasil, quando colônia de Portugal, não conheceu juízes municipais. Na época, como ensina Gabriel Vianna (Organização e Distribuição da Justiça no Brasil, Revista do STF, v. XLIX, 1923, p. 322-3) eles se dividiam em juízes ordinários, juízes de fora (que eram letrados, ou seja, formados em Direito) e juízes de órfãos. Proclamada a Independência, a Constituição de 1824, ao tratar do Poder Judicial, previu os juízes de Direito (art. 153) e os juízes de paz (art. 162).
Em 29 de novembro de 1832, foi promulgado o Código do Processo Criminal de primeira instância, com disposição provisória acerca da istração da Justiça Civil. Este diploma, nos artigos 32 a 35, tratou pela primeira vez dos juízes municipais. Eram indicados em lista tríplice pela Câmara Municipal para escolha pelo Presidente da Província, devendo ser formados em Direito, mas itindo-se que fossem “pessoas bem conceituadas e instruídas”. Tinham mandato de três anos e competia-lhes substituir o Juiz de Direito, executar suas sentenças e mandados, bem como exercitar, cumulativamente, a jurisdição policial.
A Lei 261, de 3 de dezembro de 1841, reformou o Código de Processo Criminal e, nos artigos 13 a 21, dispôs sobre as atribuições dos juízes municipais, fortalecendo-as. ou-se a exigir que fossem bacharéis em Direito e a nomeação ou a ser do Imperador. Atuavam por quatro anos, substituíam os juízes de Direito e aram a ter suplentes. Atuavam também na área cível, com competência prevista nos artigos 114 a 116 do referido Código. A Lei 2.033, de 20 de setembro de1871, no artigo 1º, § 4º, declarou incompatível o cargo de Juiz Municipal com o de qualquer autoridade policial. Até então estas atribuições eram mescladas. O artigo 3º deu-lhes competência para julgar, além de outras coisas, os crimes de contrabando e as infrações aos Termos de Segurança e Bem Viver firmados por Juiz de Paz, termos estes praticados pela Polícia até hoje nos rincões brasileiros mais distantes.
A Constituição Republicana de 1891 não dispôs sobre os juízes municipais (arts. 55 a 62). Não havia menção nem à Justiça Estadual, porque se entendia que isso era matéria a ser tratada nas Constituições Estaduais. Exatamente da mesma forma se procedeu na Constituição de 1934 (art. 63, alíneas “a” a “d”). Na Carta de 1937 houve referência à Justiça dos Estados (art. 90, “b”) e expressa previsão à possibilidade das unidades da Federação criarem juízes com investidura limitada no tempo e competência para julgamento das causas de pequeno valor, inclusive atuar em substituição aos vitalícios (art. 106). Estes juízes não eram municipais. A Constituição de 1946 manteve previsão de juízes com investidura limitada no tempo (art. 124, inc. XI).
5. Juízes municipais, previsão legal
Pesquisar a existência de juízes municipais na legislação de todos os estados é missão difícil, quase impossível. A busca se limitará, portanto, ao Estado do Rio Grande do Sul. A Revolução Farroupilha propunha, em 1842, um novo Estado, independente, denominado “República Rio-Grandense”. E o Projeto de Constituição então elaborado, previa a existência de tantos juízes de Direito quantos fossem necessários para a boa istração da Justiça (art. 159) e que, além deles, existiriam juízes de paz eleitos pelo mesmo tempo e maneira que se elegem os vereadores (art. 164). Não havia referência a juízes municipais.
Proclamada a República em 1889, a Constituição Estadual gaúcha previu a existência do juiz distrital na sede de cada termo (art. 53). Não se tratava de juiz municipal, pois eram nomeados pelo presidente do Estado (nomeação à época dada aos governadores). Mas era um embrião da municipalização judiciária. O cargo de juiz distrital foi previsto no artigo 59 da Lei 269, de 15 de junho de 1922.
Na Constituição Estadual de 1935, o capítulo X, ao tratar do Poder Judiciário, expressamente previu no artigo 72, “d”, a existência de juízes municipais, nos termos. E no artigo 86 dispôs sobre esta classe de juízes, estabelecendo que deveriam ser brasileiros natos, formados em Direito, nomeados por cinco anos, gozando das mesmas garantias e estando sujeitos às mesmas incompatibilidades dos magistrados. Em 1947, nova Constituição Estadual do Rio Grande do Sul, ao tratar do Poder Judiciário no artigo 105, omitiu-se quanto aos juízes municipais, muito embora deixasse uma possibilidade no inciso VII, que previa “outros tribunais e juízes criados em lei”.
Finalmente, o Código de Organização Judiciária do Estado, Lei 5.256, de 02 de agosto de 1966, previu a existência de juízes municipais Vitalícios, ou seja, uma situação nova. Atribuiu-lhes competência para o cumprimento de precatórias, processo e julgamento das contravenções penais e dos crimes apenados com multa ou no máximo um ano de prisão e outras de menor relevância. Com certeza, foi aí a última referência aos juízes municipais, já que não foram mencionados no Código de Organização Judiciária de 1970.
6. Juízes municipais teriam utilidade nos anos 2000?
A resposta é difícil. Todas as grandes mudanças guardam uma reserva de incerteza. Não há nada absolutamente previsível nas iniciativas de descentralização istrativa, principalmente na área do Poder Judiciário. Mas é sempre bom cogitar de todas as formas possíveis para o aprimoramento da Justiça. Daí porque a discussão é válida. Façamos um balanço das vantagens e desvantagens:
6.1. Vantagens
a) Gratuita, mais próxima da população, inclusive em áreas urbanas mais densas e populosas;
b) Mais informal, com competência restrita a casos de menor repercussão ou, quiçá, apenas a conciliações, arbitragens ou mediação;
c) Composta por uma mescla de juízes formados em Direito e leigos, de forma a agir com mais equidade do que no rigor da lei;
d) Juízes temporários, eleitos ou nomeados com a participação das comunidades;
e) Restrita a municípios com um número mínimo de habitantes e que, voluntariamente, se dispusessem a instalá-la, vez que haveria uma sobrecarga nos custos sem retorno financeiro;
6.2 Desvantagens
a) Risco de politização partidária dos juízes e conciliadores;
b) Risco de reivindicações das prerrogativas constitucionais da magistratura, com isto tornando-se uma Justiça formal e inadequada para as suas finalidades;
c) Risco de originar conflitos de jurisdição, eternizando os conflitos;
d) Risco de abrir-se a possibilidade de inúmeros recursos, caindo-se na vala comum de diversas instâncias e atraso na definição do conflito;
7. Conclusão
Em conclusão, é possível afirmar que: a) a discussão é válida; b) que eventual criação de uma Justiça Municipal deveria ser precedida de estudos por cientistas, mas também pelos que conhecem a realidade prática de tentativas de implantação de uma Justiça mais próxima do povo (por exemplo, Juizados Especiais); c) que, de alguma forma, seria imprescindível uma supervisão dos Tribunais de Justiça, a fim de que essa nova forma de Justiça tivesse uniformidade no âmbito do território estadual.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!