Opinião

Execução imediata da pena no tribunal do júri e violação ao princípio da presunção de inocência

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20 de dezembro de 2023, 7h02

O “pacote anticrime” — apelido pelo qual ficou conhecida a Lei nº 13.964/2019 — trouxe diversas alterações à legislação penal. E com o ar do tempo, tais mudanças seguem causando impacto no sistema de justiça criminal brasileiro. Dentre as mudanças trazidas pela referida lei, e que neste ano de 2023 está causando opiniões diversas sobre sua constitucionalidade, é a inserção da execução imediata da pena após condenação igual ou superior a 15 anos nos processos de competência do tribunal do júri, cuja previsão se encontra no artigo 492, inciso I, alínea “e”, do Código de Processo Penal.

De início é necessário pontuar que as próprias leis brasileiras entram em contraposição (VITAL, 2023) a uma porque a Constituição diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, e o Código de Processo Penal traz a previsão da execução provisória da pena nos processos de competência do tribunal do júri em que a condenação for igual ou ultraar 15 anos (LEONEL; FELIX, 2023).

Ressalta-se que o STF, ao julgar as ADCs 43, 44 e 54, decidiu que o cumprimento da pena de prisão deve iniciar após o esgotamento de recursos (LOPES JR; MORAIS DA ROSA; MIRANDA COUTINHO, 2023). Contudo, o atual posicionamento da Corte Suprema é por cassar as decisões proferidas pelo STJ que entendem pela não aplicação do artigo 492, inciso I, do P, que justamente é cristalina a violação ao princípio da presunção de inocência (FAUCZ, 2021). Pois, veja-se que o acusado é submetido a julgamento pelo júri popular e, se condenado, o citado artigo faculta a possibilidade de o juiz decretar a prisão provisória do acusado para dar imediato cumprimento à pena.

Em continuidade, imperiosa a menção que o princípio da soberania dos veredictos não pode se mostrar absoluto quando contraposto ao princípio da presunção de inocência, dependendo de cada caso concreto, apesar de o STF entender diferente (RE 1.235.340/SC), tanto a defesa  quanto o Ministério Público poderão recorrer. No caso da defesa, poderão ser arguidas nulidades ocorridas durante o plenário, bem como a fundamentação de que a decisão tomada pelo corpo de jurados é contrária a prova dos autos. E caso o Tribunal de Justiça acate o recurso, a sentença prolatada pelos jurados será desconstituída e um novo julgamento será realizado.

Agora veja-se em uma situação em que o réu foi condenado em primeiro grau diante da prática, em tese, de crime doloso contra a vida e tem sua prisão decretada porque a condenação é superior a 15 anos, mas grau recursal é reconhecida qualquer nulidade ou prova ilícita e ocorre a determinação de um novo julgamento, como fica a presunção de inocência do acusado se a Carta Magna dispõe que é considerado culpado após o trânsito em julgado da sentença condenatória e que a prisão cautelar é medida excepcional? (CAPUTO, 2020)

A violação ao princípio da presunção de inocência é evidente, e o Supremo Tribunal Federal precisará de uma posição firme na tomada de decisão do artigo em apreço, tendo em vista que, independente do resultado, afetará milhares de processos, além dos acusados e do próprio sistema penitenciário nacional, já que haverá possibilidade de aumento nas prisões irregulares, bem como aumento na superlotação dos presídios brasileiros.

Nesse sentido, observa-se que o princípio da presunção de inocência se destaca quanto ao da soberania dos veredictos, porquanto a culpa jurídica do denunciado ainda não foi declarada, diante da ausência do trânsito em julgado, e caso for ordenada a execução da pena antes do trânsito em julgado, a presunção de inocência estará violada (AVENA, 2023).

Por fim, se conclui que a violação ao princípio da presunção de inocência é claro, e que o Código de Processo Penal está em contraposição à Constituição e ao direito do estado de liberdade. O julgamento do RE 1.235.340, em andamento pelo Supremo Tribunal Federal, se encontrava no caminho da constitucionalidade do artigo até que houve um pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes, o que ocasionou o reinício do julgamento no plenário presencial e a desconsideração dos votos já proferidos.

Verifica-se de pronto a  inconstitucionalidade do artigo 492, inciso I, alínea “e”, do P, pelo fato de determinar que um indivíduo cumpra a pena antes do trânsito em julgado — leia-se, seja juridicamente culpado — fere o princípio da presunção de inocência que vigora na Constituição de 1988, e o princípio da soberania dos veredictos, previsto no alínea “c” do inciso XXXVIII do artigo 5º, da Constituição quando posto ao lado do princípio da presunção de inocência, não poderá ser levado em prejuízo do acusado, somente em sentido favorável.

Por último, atualmente há uma lacuna, porquanto o artigo 492, inciso I, trata de crimes dolosos contra a vida, mas não existe previsão de prisão após condenação igual ou superior a 15 anos em crimes de latrocínio ou estupro de vulnerável, por exemplo, sendo oportunizado há diversos acusados a manutenção de sua liberdade enquanto recorrem da sentença penal condenatória.

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Referências
AVENA, Norberto. Processo penal. 15. ed. Rio de Janeiro: Método, 2023.

AGUIRRE, J. R. C., OLIVEIRA, T. B., & SOARES, P. S. G. (2021). A (in)constitucionalidade da execução imediata da pena no tribunal do júri. Revista Eletrônica Do Curso De Direito Da UFSM, Santa Maria, v. 16, n. 3, p. 1-36, set./dez., 2021.

CAPUTO, Bruno Pinheiro. Execução provisória da pena: colisão entre o princípio da

Presunção da inocência com o da efetividade da lei penal, 2020, 93 f.. Dissertação – Mestrado em Direito, Universidade FUMEC, Belo Horizonte, 2020. Disponível em: <https://repositorio.fumec.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/830/bruno_caputo_mes_dir_2020.pdf?sequence=5&isAllowed=y>. o em: 09 de out de 2023.

FAUCZ, Rodrigo. ‘Caso boate Kiss’: roga-se por respeito à Constituição. Conjur, 15 de dezembro de 2021. Disponível em: /2021-dez-15/faucz-boate-kiss-roga-respeito-constituicao o em 05 de out de 2023.

LEONEL, Juliano de Oliveira; FELIX, Yuri. Tribunal do júri: aspectos processuais. 2. ed., rev. atual. ampl. Florianópolis: Emais, 2020.

LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 18. Ed. São Paulo: Saraiva, 2021.

LOPES JÚNIOR, Aury; MORAIS DA ROSA, Alexandre; MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. O que sobrou do sistema acusatório após a decisão do STF? Conjur, 19 de setembro de 2023. Disponível em: </2023-set-19/criminal-player-sobrou-sistema-acusatorio-decisao-stf>. o em: 05 de out de 2023.

VITAL, Danilo. Execução imediata de condenação pelo júri se contrapõe à jurisprudência do STF. Conjur, 15 de setembro de 2023. Disponível em: </2023-set-15/execucao-imediata-pena-juri-contrapoe-decisao-stf>. o em: 05 de out. de 2023.

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