Impacto de tese sobre indenização no SFH é motivo de embate no STJ
12 de agosto de 2024, 14h21
A tese a ser estabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça sobre a prescrição da indenização relativa ao seguro habitacional obrigatório nos contratos do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) terá graves impactos no setor de seguros e na política pública de habitação.

Apólices de seguro habitacional não precificaram possibilidade de indenização vir após quitação do contrato de financiamento
Essas consequências sistêmicas estiveram em debate na última quarta-feira (7/8), quando a Corte Especial começou a julgar o caso sob o rito dos recursos repetitivos.
A disputa ocorreu nas sustentações orais e na divergência já inaugurada. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Herman Benjamin.
O caso trata do seguro habitacional obrigatório nos contratos do SFH, para financiamento para construção, compra ou reforma de imóveis. Desde 2002, a cobertura mínima inclui danos físicos às construções.
A questão é definir até que momento o segurado pode acionar o seguro para essa cobertura.
É pacífica no tribunal a posição de que isso só é possível se o dano ocorreu durante a vigência do contrato. Também não se discute que o prazo prescricional é de um ano, conforme o artigo 206 do Código Civil.
Para a relatora, a indenização só será possível se o mutuário (a pessoa que assinou o contrato de financiamento) perceber que esse dano existe durante sua vigência ou no prazo de um ano após sua liquidação.
Assim, a prescrição para acionar o seguro a a correr no dia seguinte ao término do contrato.
Abriu a divergência a ministra Nancy Andrighi, para quem a prescrição começa somente após o fato gerador da indenização: o momento em que a seguradora é informada do problema estrutural e se recusa a fazer o pagamento.
Nesse caso, o mutuário poderia acionar o seguro por danos estruturais ocultos, mesmo que eles só tenham sido percebidos muitos anos depois da quitação do financiamento.
Se Gallotti vencer
Para a ministra Nancy, a posição mais restritiva defendida pela relatora prejudica a parte mais vulnerável dessa relação: o comprador do imóvel, que assinou um contrato de adesão pertencente a um programa voltado à promoção da habitação no país.
A solução fere a legítima expectativa gerada a partir das informações prestadas pela Caixa Econômica Federal (principal financiadora) ao mutuário, além da própria política pública, voltada a assegurar o a moradia minimamente digna no Brasil.
Além disso, gera uma desigualdade entre os contratantes. Pessoas que tenham assinado contratos na mesma data terão prescrições diferentes a depender do número de parcelas escolhido para pagamento.
Quanto mais parcelas, maior o tempo de contrato. Como o contrato de seguro é ório, isso adia o início da prescrição. O comprador com menos poder financeiro a a ter mais tempo para descobrir vícios ocultos e estruturais sem perder a possibilidade de indenização.
“Essa abordagem poderia desincentivar ações diligentes por parte de mutuários, gerando impacto negativo na efetividade das políticas públicas habitacionais”, afirmou a ministra Nancy Andrighi.
Para o advogado Guilherme Veiga Chaves, que atua no caso em defesa dos mutuários, se o voto da relatora vencer, o STJ ará a mensagem de que não se deve financiar imóveis em tempo menor que o prazo máximo. “E o que isso tem a ver com o vício de construção? Nada.”
Se Nancy Andrighi vencer
Se a posição menos restritiva da ministra Nancy Andrighi vencer, os contornos são apocalípticos: haverá um efeito dominó a impactar o mercado de seguros, encarecendo as apólices ao ponto de inviabilizar o financiamento imobiliário nesse formato.
Para contratos futuros, as seguradoras arão a precificar a possibilidade de indenização mesmo após a extinção do vínculo. Isso tende a gerar preços de seguro de difícil o, prejudicando a obtenção do financiamento, já que o seguro é obrigatório.
Para os contratos vigentes ou já liquidados, há duas consequências possíveis. Se a apólice for pública, as indenizações a serem pagas tenderão a causar um rombo no Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS).
Esse fundo é responsável por garantir as apólices, que hoje são apenas istradas por seguradoras particulares. Em regra, elas se referem a contratos antigos. Desde 1998, a apólice privada tem se mostrado uma opção mais atrativa devido aos preços.
Isso significa que, gradualmente, o FCVS recolhe menos prestações de seguros de mutuários, conforme esses contratos antigos vão sendo extintos. E essas apólices públicas foram precificadas sem considerar a possibilidade de indenização após a quitação do financiamento.
Efeito sistêmico
Se a apólice for particular, as seguradoras terão de bancá-las. Será preciso provisionar esse risco e separar reservas técnicas. “O prejuízo é imediato”, disse a ministra Isabel Gallotti.
O procurador federal Alexandre César Paredes de Carvalho, que representou a Superintendência de Seguros Privados (Susep), amicus curiae (amiga da corte) no julgamento, detalhou as consequências disso.
Explicou que, nesses casos de desequilíbrio do mercado, o órgão impõe que as seguradoras adotem regras prudenciais para aumentar a provisão técnica, os ativos garantidos e o capital mínimo requerido para honrar essas obrigações.
Caso isso não seja suficiente, entram em vigor medidas restritivas: apresentação de plano de regularização de suficiência de cobertura, decretação de regime especial e até migração extrajudicial. “Há o risco de acarretar efeito sistêmico negativo no mercado securitário”, disse.
“O aumento do custo da seguradora não é apenas o aumento do preço. Isso importa na inibilidade do financiamento pelas famílias de baixa renda que já estão no limite do endividamento quanto contrato o financiamento”, disse Flávio José Roman, pela União.
Guilherme Veiga Chaves contesta esses dados. Diz que o impacto imediato do julgamento do STJ é zero: discute-se apenas a prescrição. Se ela for afastada, ainda será necessário avaliar a veracidade do que é alegado em cada pedido de indenização.
Além disso, as estimativas apresentadas no processo indicam que, no pior cenário, o impacto econômico para as seguradoras seria de R$ 1,4 bilhão. “Uma estimativa implausível porque se considerou que todos os contratos averbados seriam objeto de ação e todas teriam êxito.”
Segundo a Confederação Nacional de Seguros (CNSeg), as seguradoras arrecadaram, no primeiro trimestre de 2024, R$ 2,3 bilhões. “Um trimestre pagaria um problema habitacional de 20 anos. Então essa ação não vai quebrar ninguém”, concluiu o advogado.
REsp 1.799.288
REsp 1.803.225
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