Anuário da Justiça

Especialização em matéria empresarial garante prestígio à Justiça de SP

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2 de dezembro de 2024, 8h25

*Reportagem publicada no Anuário da Justiça Direito Empresarial 2024, lançado nesta segunda-feira, na Fiesp. A versão impressa está à venda na Livraria ConJur (clique aqui). e a versão digital pelo site do Anuário da Justiça (anuario.conjur.com.br).

Ao longo das duas últimas décadas, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) apostou na segmentação dos julgamentos de litígios em matéria empresarial nas duas instâncias. Reformas robustas nos processos de insolvência e a hegemonia então exercida pelo Rio de Janeiro na construção da jurisprudência nacional levaram a Justiça paulista a investir pouco a pouco na especialização das varas e das câmaras do tribunal para apreciar disputas relacionadas aos negócios.

Capa do Anuário da Justiça Direito Empresarial 2024

Celeridade na tramitação, previsibilidade e uniformização das decisões na solução de conflitos complexos conferiram à Justiça especializada de São Paulo a imagem de que oferece a segurança jurídica perseguida pelo empresariado. Embora existam vozes críticas, o prestígio existe, garantem advogados ouvidos pelo Anuário da Justiça que atuam em Direito Comercial, inclusive fora de São Paulo.

Esse histórico do TJ-SP ou a atrair litigantes de outros estados que, sob a proteção da liberdade da eleição de foro (amplamente usada em contratos privados, mas recentemente restringida pela Lei 14.879/2024), elegeram a Justiça de São Paulo como centro da resolução dos seus conflitos, a exemplo do que ocorre em Delaware, nos Estados Unidos, onde a alta especialização da corte local também atrai os litígios empresariais.

Soma-se a isso as custas processuais cobradas pelo TJ-SP, consideradas mais atraentes que os demais tribunais. Diagnóstico do Conselho Nacional de Justiça sobre valores cobrados pelos tribunais do país, publicado em 2023, identificou que as custas iniciais ou taxas judiciárias mínimas mais altas estão em estados que ainda não têm varas especializadas em matéria empresarial, como Goiás (valor mínimo: R$ 505,90). Minas Gerais e Rio de Janeiro também estão no topo (R$ 443,64 e R$ 795,43, respectivamente). Em São Paulo, o valor é de R$ 159,84; no Distrito Federal, R$ 39,81.

O advogado comercialista Flavio Paschoa Junior, sócio da PSA Advogados, afirma que a especialização da Justiça tem atraído conflitos empresariais para São Paulo, em um movimento semelhante ao que ocorria quando apenas o Rio de Janeiro possuía varas exclusivas dedicadas a esses temas. “Lembro que algumas pessoas deslocavam a competência para o Rio de Janeiro, quando ficavam inseguras, porque sabiam que o caso seria julgado por uma vara especializada. Se era um litígio relevante, queriam que caísse nas mãos de um juiz acostumado a essas demandas”, contou Paschoa Junior, que à época testemunhou o debate sobre a especialização das varas em São Paulo como vice-presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB-SP. “Tenho ouvido de muitos que a especialização em São Paulo tem dado mais segurança para o mercado”, diz.

Os primeiros os para a especialização da Justiça de São Paulo foram dados em 2005, na esteira da Lei 11.101/2005, que alterou significativamente o processo de falência e criou o instituto da recuperação judicial. Naquele ano, foram instaladas as duas primeiras varas especializadas em falência, com jurisdição sobre a Capital, e uma câmara de julgamento em segunda instância. Em 2011, a corte decidiu criar mais uma câmara reservada de Direito Empresarial e ampliou a sua competência para temas gerais relacionados ao mundo dos negócios.

Na primeira instância, o avanço veio em 2016, quando o então corregedor-geral da Justiça, desembargador Manoel Pereira Calças, comercialista e entusiasta da especialização, patrocinou as instalações das primeiras varas com competência mais abrangente em matéria empresarial na Capital (sociedades anônimas; propriedade industrial; franquia; falências; recuperações judiciais e extrajudiciais; e as ações decorrentes da Lei de Arbitragem – Lei 9.307/1996). A partir de 2019, com Pereira Calças na presidência do TJ-SP, a especialização expandiu-se para a Grande São Paulo, interior e litoral.

Em meio à experiência de São Paulo, o CNJ publicou a Recomendação 56/2019, orientando os tribunais a investirem na especialização das unidades judiciárias, nos dois graus. Dados de levantamento feito pelo Centro de Inovação, istração e Pesquisa do Poder Judiciário, da FGV-Rio, mostrou que apenas 13 tribunais estaduais tinham varas empresariais em 2022 – eram 35 no total. Levantamento feito por este Anuário, em 2024, constatou a existência de 84 varas especializadas em Direito Empresarial ou de Insolvência em 16 estados (veja o mapa abaixo).

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Em 2024, número de varas especializadas em Direito Empresarial chegou a 84, distribuídas em 16 estados

Em São Paulo, foram instaladas dez varas judiciais específicas para tratar de insolvência e/ou de matérias gerais relacionadas ao Direito Empresarial, sendo cinco na Capital (três de insolvência e duas empresariais) e outras cinco varas regionais empresariais para atender o restante do estado. Essas últimas têm jurisdição ampla, no âmbito das chamadas RAJs (Regiões istrativas Judiciárias), uma saída encontrada pelo tribunal para fazer com que todas as comarcas paulistas fossem abraçadas por varas empresariais.

Essa concentração, no entanto, não agrada a todos. “A especialização não trouxe nenhum benefício, pelo contrário, acabou fazendo com que os processos falimentares, por exemplo, ficassem adstritos a poucos juízes, a poucas interpretações. Pode parecer que a especialização facilite, mas eles são muito lentos”, criticou um advogado que litiga na área tanto em São Paulo quanto fora do estado. “Creio que o maior erro foi criar as RAJs, em que as comarcas fora da Capital de São Paulo não têm distribuição de processos na área falimentar, como em Guarulhos (está sob a jurisdição de duas varas empresariais regionais, sediadas na Capital). O juiz de Guarulhos é menos eficiente do que o de São Paulo?”, lamentou.

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Avanço da especialização da Justiça de São Paulo, nos dois graus, ao longo das duas últimas décadas / Fonte: Anuário da Justiça

Para o desembargador Azuma Nishi, que preside o grupo que reúne as duas câmaras empresariais do TJ-SP, “não é que existam juízes diferentes ou melhores que os demais, é que os magistrados am a tratar das coisas com mais frequência”. “Quando a especialização das varas ainda não estava implantada em todo o estado, esses processos caíam lá numa cidade do interior, onde um juiz trata de tudo, de família, de divórcio… E aí vem uma ação sobre falência. Então, é difícil, porque ele tem que parar tudo que está acostumado a fazer para pegar um caso absolutamente fora de sua realidade.” Nishi contou ao Anuário da Justiça que as duas turmas recebem com frequência recursos cujas partes são de outros estados e que, por isso, privilegiam sessões telepresenciais para viabilizar sustentações orais à distância, por videoconferência.

Para o advogado Geraldo Sant’anna, do escritório Décio Freire Advogados, em Minas Gerais, estado que também tem câmaras de julgamento especializadas, “a diferença de São Paulo em relação a outros estados que não têm essa especialização são decisões mais técnicas e, não raro, mais ágeis”, assegurou.

Divulgada em 2023, pesquisa feita pela advogada Ana Paula Nani para sua dissertação de mestrado em Direito dos Negócios na FGV São Paulo revelou que a especialização das varas reduziu o tempo do processo. Nos casos que discutiam “dissolução de sociedade”, o tempo foi 37% mais curto, ando de 426 dias nas varas cíveis comuns (da primeira movimentação até a sentença) para 270 dias nas varas empresariais. Na análise dos demais processos, o levantamento constatou que o tempo médio de tramitação de ações nas varas empresariais é de 218 dias, enquanto as varas cíveis comuns levam 415 dias para julgar suas demandas – não necessariamente matérias empresariais, contudo. De acordo com a advogada, a literatura sobre a especialização judiciária por matéria aponta “melhora na qualidade das decisões judiciais”. A pesquisa apresentada, entretanto, não trata da qualidade dessas sentenças.

Para ter uma avaliação qualitativa das decisões, este Anuário da Justiça fez uma pesquisa por amostragem. Analisou acórdãos das duas câmaras empresariais do TJ-SP cujos casos se originaram nas comarcas de Campinas e Sorocaba. Por essa amostra, que confronta períodos pré e pós-especialização, o índice de sentenças reformadas é semelhante nas varas especializadas e generalistas. Entre janeiro e junho de 2023, quando as duas comarcas ainda não eram atendidas por vara empresarial, o TJ-SP reformou cerca de um terço das sentenças. No mesmo período de 2024, o índice de reforma das decisões advindas da vara empresarial que abarca as duas comarcas chegou perto de 30%.

Outro critério usado por este Anuário da Justiça foi o índice de recorribilidade das sentenças. Identificou-se que quase 50% do volume das decisões proferidas pelos juízes generalistas de Campinas e Sorocaba subiram para a segunda instância, contra menos de um terço das proferidas pelas varas exclusivas.

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Para a maiorira dos advogados ouvidos, especialização trouxe celeridade

 

O estudo conduzido por Ana Paula Nani também ouviu a advocacia que litiga nas varas especializadas paulistas sobre o tempo de tramitação das demandas. Dos 116 advogados consultados, a maioria (38%) afirmou que a especialização gerou “leve celeridade”; 21%, que não houve mudanças; e apenas 15,5% consideraram que a instalação das varas “gerou considerável celeridade”. “Na percepção dos atores, essa melhora ainda está aquém do que se esperava com a especialização”, destaca a pesquisadora.

Já na segunda instância, um bode foi colocado na sala, nos últimos meses, na Seção de Direito Privado, que é a mais abarrotada do TJ-SP: desembargadores da seção apontam que a especialização – que desde 2018 desloca dez desembargadores de suas câmaras originais para julgar exclusivamente nas reservadas de Direito Empresarial – tem causado desproporção na distribuição de recursos, criando uma espécie de oásis dentro do tribunal mais congestionado do país.

A discussão está nas mãos do Conselho Superior da Magistratura, que deverá encaminhar as queixas ao Órgão Especial, a quem cabe a última palavra. O debate envolve o fim dessa exclusividade, com a criação de mais duas câmaras reservadas e o retorno desses desembargadores ao regime de julgamentos tanto de processos empresariais quanto das câmaras originais. Ao Anuário, o presidente da seção, desembargador Heraldo de Oliveira, disse ser contra as alterações. Para ele, a complexidade das ações empresariais as torna quantitativamente incomparáveis às demandas cíveis comuns.

Para o advogado Felipe Frois, da Dourado & Cambraia Advogados, “o problema de distribuição de casos entre as câmaras deve ser visto com ponderação, justamente para não se esvaziar o objetivo, que é julgar com especialização casos que, pela própria natureza da discussão, demandam mais tempo para uma análise acurada”.

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Câmaras de Direito Empresarial do TJ-SP elevaram em 10% número de ações julgadas em 2023

A despeito da disparidade no volume de processos que vão às câmaras comuns de Direito Privado, as empresariais do TJ-SP registraram aumento na produtividade. Em 2023, foram distribuídas 16.584 ações aos dois colegiados, ante 15.718 no ano anterior. Já o total de julgados ou de 15.086 para 16.623 no ano seguinte (aumento de 10%), superando o número de recebidos.

Anuário da Justiça Direito Empresarial 2024
2ª edição
188 páginas
Editora Consultor Jurídico
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