Novo Marco Legal dos Seguros: transparência e equilíbrio nas relações contratuais
22 de dezembro de 2024, 11h16
Foi publicado no dia 10 de dezembro o Marco Legal dos Seguros — Lei nº 15.040/2024, sancionada sem vetos pelo presidente da República, que entrará em vigor um ano após a sua publicação.
O Marco Legal revoga o inciso II do §1º do artigo 206 e os artigos 757 a 802 do Código Civil, bem como os artigos 9º a 14 do Decreto-Lei nº 73/1966, e surge com o objetivo de modernizar e equilibrar as relações entre seguradoras e segurados, estabelecendo um novo patamar regulatório para o setor.
Uma das inovações destacadas pela lei é a vinculação das seguradoras, em ações judiciais, aos argumentos utilizados para a negativa de cobertura do sinistro (artigo 86, § 6º). Salvo se vier a tomar conhecimento de fatos antes desconhecidos, a seguradora não poderá alegar motivos diferentes daqueles apresentados no momento da recusa. Essa determinação reforça a segurança jurídica e impede que os segurados sejam surpreendidos por argumentos novos em Juízo.
Embora a lei não mencione expressamente que essa vinculação também se aplicará às alegações feitas pelos segurados em eventuais pedidos de reconsideração, é de se indagar se haverá uma extensão dessa obrigação a eles em razão do princípio da paridade de armas, que estabelece uma relação igualitária entre as partes do processo.
Ainda em relação à atuação em esfera judicial, a Lei nº 15.040/2024 determina que, quando a seguradora for acionada judicialmente para revisão ou cumprimento de um contrato de seguro que envolva resseguro facultativo, ela deverá notificar a resseguradora a respeito do ajuizamento da ação (artigo 62). Salvo disposição em contrário, a resseguradora a também a ser responsável por cobrir todo o interesse ressegurado, incluindo aqueles relacionados à regulação dos sinistros (artigo 64).
Compartilhamento de documentos na regulação de sinistros
Outro avanço notável é a obrigatoriedade de as seguradoras compartilharem documentos produzidos no procedimento de regulação de sinistros, incluindo o relatório de regulação (artigos 80, 82 e 83). A exceção fica a cargo de documentos considerados confidenciais, sigilosos por lei ou que possam causar danos a terceiros, conforme enuncia o parágrafo único do artigo 83 da lei.

Essa medida amplia a transparência e facilita a contestação de decisões indevidas e imotivadas pelos segurados. Porém, sua aplicação dependerá da eficácia da fiscalização, além de exigir das seguradoras a adoção de processos claros e organizados para evitar abusos de confidencialidade ou mau uso das informações.
Um ponto que gerou debates é o prazo de 30 dias para que a seguradora se manifeste sobre a cobertura do sinistro (artigo 86), sob pena de decair do direito de recusa. A possibilidade de suspender esse prazo apenas duas vezes para pedidos de documentos complementares (artigo 86, §3º) e de estendê-lo para o limite máximo de 120 dias em casos complexos (artigo 86, §5º) representa uma tentativa de impedir morosidade injustificada e uma clara vitória aos segurados, que frequentemente enfrentavam longos períodos de espera por uma (in)definição sobre a cobertura securitária.
Outro aspecto que chama atenção é a obrigatoriedade de o segurado notificar “prontamente” à seguradora sobre a ocorrência do sinistro, e seguir todas as suas instruções para a contenção do dano (artigo 66, inciso II). Aqui, o legislador positiva a construção, já itida jurisprudencialmente, do Duty To Mitigate The Loss — isto é, o dever do contratante de mitigar o próprio dano, com o objetivo de evitar maiores prejuízos à seguradora.
Embora a exigência já estivesse prevista, em outros termos, no artigo 771 do Código Civil, a lei não trouxe a definição do que seria esse “prontamente”. Essa lacuna deixa ao Judiciário a tarefa de interpretar caso a caso, com razoabilidade, o que configura a pronta comunicação, o que pode gerar insegurança jurídica e abrir margem para disputas.
Prescrição da pretensão do segurado
Em relação à prescrição, a nova lei prevê que prescreve em um ano a pretensão do segurado contra o segurador, contados da ciência da recusa da cobertura securitária (artigo 126, inciso II). Esse prazo será suspenso quando a seguradora receber pedido de reconsideração da decisão de negativa (artigo 127), sendo estes grandes avanços da nova disciplina do tema.
Há muito, se debatia que o prazo prescricional começava a fluir a partir da data da ocorrência do sinistro, pois se interpretava que este era o “fato gerador da pretensão” do segurado, tratado na alínea ‘b’ do inciso II do §1º do artigo 206 do Código Civil. Esse prazo era suspenso com o pedido do pagamento de indenização à seguradora até que o segurado tivesse ciência da decisão, conforme enunciado na Súmula 229 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) — o pedido de reconsideração não tinha o efeito de interromper ou suspender a contagem do prazo prescricional.
Acontece que a Súmula 229 fora editada ainda na vigência do Código Civil de 1916 e, portanto, havia se tornada obsoleta, especialmente com a evolução jurisprudencial do STJ nos últimos anos, que ou a reconhecer que o prazo para o exercício de um direito só começa a correr a partir do momento em que o titular dele toma ciência da violação ou lesão ao seu direito. Referida súmula, no entanto, nunca fora cancelada.
Agora, com a nova lei, o entendimento acima restou positivado, não havendo dúvidas da aplicação da Teoria da Actio Nata no âmbito do direito securitário. Ou seja, a prescrição tem como termo inicial a data da ciência da recusa da cobertura securitária. Há, desse modo, uma superação do enunciado da Súmula 229 do STJ e uma garantia adicional ao segurado, que vê reforçada a sua proteção e ampliação do tempo útil para o o à Justiça.
Equilíbrio com os segurados
Como se nota, a nova lei, embora mais rigorosa com as seguradoras — que não poderão mais extinguir unilateralmente o contrato de seguro (artigo 9º, § 5º) —, reflete uma tentativa de equilibrar o jogo com os segurados, geralmente a parte vulnerável nessa disputa. A imposição de prazos claros, a obrigatoriedade de fornecer respostas rápidas e a vinculação das seguradoras às suas alegações buscam proteger os consumidores de práticas desleais, aumentando a previsibilidade das relações contratuais.
De modo geral, a Lei nº 15.040/2024 representa um avanço no fortalecimento dos direitos dos segurados, ao mesmo tempo em que desafia as seguradoras a se adequarem às novas exigências impostas por um ambiente regulatório mais transparente e ágil. Cabe agora aos operadores do direito, ao mercado segurador e ao Judiciário a tarefa de interpretar e aplicar essas regras de forma a garantir que o equilíbrio desejado pela nova legislação se concretize na prática.
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