Conheça o recurso contra decisão que suspende ou paralisa o processo
6 de fevereiro de 2024, 6h32
Com o novo Código de Processo Civil, firmou-se a tese do rol taxativo de hipóteses de cabimento do agravo de instrumento contra decisões na fase de conhecimento, nos termos do rol do artigo 1.015 do Código Civil.
Para as hipóteses não ali listadas, a parte deve suscitar a questão em preliminar de apelação, se for o apelante, ou nas contrarrazões, se for o apelado (artigo 1.009, § 1º, C).
Mais recentemente, o STJ flexibilizou o assunto, ao decidir (Tema 988) que o rol do artigo 1.015 do C é de taxatividade mitigada, itindo-se o agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão apenas no recurso de apelação.
Porém, e se não houver, ao menos no médio prazo, previsão de prolação de sentença para que a questão não agravável seja, na apelação, suscitada em preliminar? Teremos uma questão que não pode ser objeto de recurso, tanto por não ser agravável, quanto por não haver apelação, já que esta pressupõe a prolação da sentença.
Dois exemplos podem ser citados: a decisão que suspende o processo e a decisão que nega a citação ficta do réu. Ambas não integram o rol do artigo 1.015 do C e é preciso certo esforço hermenêutico, geralmente não aceito pelos tribunais, para que sejam consideradas urgentes nos termos do Tema 988 do STJ.
Imaginemos uma ação em que o juiz entende haver prejudicialidade externa em relação a processo anterior e decide suspender o feito até que a questão na outra ação seja resolvida. Neste caso, o autor, mesmo discordando da existência da prejudicialidade, ficará com seu processo parado por um ano (artigo 313, § 4º, C). Isso se não houver nova decisão suspendendo o processo por mais um ano, sob algum novo fundamento alegado pelo juiz, ou mesmo por prazo indeterminado, sob o argumento de “força maior” (artigo 313, VI, C).
Decisão judicial sem instância superior
Ainda que não seja caso de risco de perecimento do direito, não é justo que a parte veja adiado, ainda que por um ano, seu direito a uma decisão judicial (ex.: reconhecimento de usucapião, extinção de condomínio etc.), sem poder discutir na instância superior se a suposta prejudicialidade externa realmente está presente. E se o feito prejudicial demora anos e anos, como ocorre muitas vezes em inventários, recuperações judiciais e ações civis públicas?

A decisão que suspende o processo não tem sido reconhecida como agravável [1]. Tampouco pode ser suscitada em preliminar de apelação, já que, suspenso o feito, não haverá, ao menos por um bom tempo, sentença da qual apelar. O que a parte deve fazer? Conformar-se em não receber a jurisdição até que a outra ação tenha fim ou o prazo de suspensão se encerre?
Seja agora o caso em que todas as tentativas de citação real do réu se esgotaram (inclusive consulta aos sistemas informatizados) e o autor pede a citação ficta (hora certa ou edital), porém, o juiz nega o pedido. O processo não poderá prosseguir, pois não houve a citação do réu. Também não poderá haver agravo, pois a decisão que nega a citação ficta não está no artigo 1.015. O processo ficará paralisado. Novamente a parte ficará sem receber a jurisdição e sem mecanismo recursal contra a questão.
Nesses casos, temos a configuração do risco ao resultado útil do processo, pelo simples fato de que, se o processo não andar, não haverá nenhum resultado do processo, apenas a negativa da jurisdição.
Pode-se entender que caberia o ajuizamento de mandado de segurança (MS) contra o juiz, por se trata de decisão judicial da qual não cabe recurso (Súmula 267 do STF, a contrario sensu). O direito líquido e certo, no caso, seria o de receber a prestação jurisdicional (ainda que para negar o direito pleiteado). A jurisprudência, porém, tem adicionado como requisito desse MS a existência de flagrante ilegalidade, teratologia ou abuso de poder na decisão atacada. E se o Tribunal não reconhecer a presença desses requisitos e, assim, não conhecer do mandamus?
Jurisprudência contra paralisação do processo
Parece que a ausência de previsão legal de cabimento do agravo de instrumento nesses casos representa ofensa ao princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional (artigo 5º, XXXV, CF), já que a parte pode ficar sem receber uma sentença por tempo indeterminado ou, ao menos, excessivamente longo, com risco de perecimento ou de perda de alcance do seu direito. Como resolver o problema?
Uma solução seria a jurisprudência ar a reconhecer o cabimento do agravo de instrumento contra decisões que suspendam ou paralisem o processo, já que, nesses casos, não haverá, ao menos no médio prazo, sentença nem, portanto, apelação na qual inserir a questão como preliminar.
Outra seria alterar C para prever expressamente a possibilidade do agravo nesses casos. O projeto de lei pode ser apresentado por qualquer parlamentar, pois não se trata de iniciativa reservada (artigo 61, § 1º, CF).
O fato é que a questão precisa ser equacionada, sob pena de a parte, em tais situações, ter negado seu direito a uma decisão judicial, ainda que para negar seu pleito. O que não pode é não haver decisão nenhuma, paralisando o curso da ação judicial, sem que a parte tenha nenhum instrumento processual, endógeno ou mesmo exógeno, para levar a questão à instância superior. Eis aí a ofensa à inafastabilidade da jurisdição.
[1] AGRAVO DE INSTRUMENTO – PRELIMINAR DE NÃO CABIMENTO – ACOLHIMENTO – INSURGÊNCIA CONTRA DECISÃO QUE SUSPENDEU O PROCESSO – HIPÓTESE QUE NÃO COMPORTA AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO INITIDO – ROL TAXATIVO DO ART. 1.015 DO C – MITIGAÇÃO – TEMA 988/STJ – NÃO VERIFICADO – DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU MANTIDA – RECURSO NÃO CONHECIDO. A decisão que determinou suspensão do feito, com fundamento no artigo 313, inciso V, alínea a, do Código de Processo Civil, em razão de prejudicialidade externa, não se enquadra em nenhuma das hipóteses descritas no artigo 1.015 do C/15. Dessa forma, deveriam os Agravantes demonstrar o cabimento do presente recurso com base na mitigação da taxatividade estabelecida nos REsp nº 1.696.396/MT e 1.704.520/MT – Tema 988 pelo STJ. Recurso não conhecido.
(TJMS, 1404058-85.2022.8.12.0000 Dourados, Relator: Juiz Lúcio R. da Silveira, Data de Julgamento: 24/05/2022, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 26/05/2022)
Agravo de Instrumento – Insurgência contra a decisão que suspendeu o processo até resolução nos autos da ação de Usucapião, em que há controvérsia quanto à propriedade do bem em questão – Relação de prejudicialidade – Intimação para justificar o cabimento do recurso – Recurso incabível – Decisão agravada que não se enquadra nas hipóteses do rol taxativo do art. 1.015, do novo Código de Processo Civil – Ausência dos requisitos para mitigação do rol – Precedentes deste E. Tribunal e do C. STJ – Recurso não conhecido.
(TJSP, 2236949-10.2020.8.26.0000, Relator: Luiz Antonio Costa, Data de Julgamento: 02/12/2020, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 12/01/2021)
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