Opinião

Decisão monocrática boa e ruim do STJ

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  • é advogado formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF) professor da Escola de istração Judiciária do TJ-RJ especialista em Direito Constitucional e Ciências Penais e Direito e istração Pública além de autor do livro 'Assédio Moral no Serviço Público (Violação da Dignidade Humana)' e outras obras.

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30 de outubro de 2024, 13h27

Comento aqui uma decisão monocrática novíssima do STJ (Superior Tribunal de Justiça) no agravo em recurso especial nº 2669527 – RJ (2024/0218123-3), em 22 de outubro de 2024.

A decisão trouxe notícia boa e ruim. Pois é. Difícil a vida dos causídicos.

Ah, inicialmente, não se pode esquecer das barreiras para “subir” o recurso especial. O tribunal de origem não itiu, equivocadamente, o recurso especial nos termos do artigo 1.030, V, do Novo Código de Processo Civil (NC). Incrível: o sinal está sempre fechado para os causídicos. Segue:

“De início, verifica-se que o acórdão recorrido não demonstra violação aos artigos 489 1º, III, IV e V, e 1.022, parágrafo único, II, do Código de Processo Civil. A leitura atenta dos acórdãos revela que foram apreciadas e devidamente fundamentadas as questões debatidas pelas partes durante o desenrolar do processo, tendo o órgão julgador firmado seu convencimento de forma clara e transparente.”

“Assim, aplica-se à hipótese o Enunciado da Súmula 83 do Superior Tribunal de Justiça, que na medida em que pacífica a jurisprudência da Corte no sentido de não se vislumbra pertinência “…na alegação de violação dos arts. 489 e 1.022 do C/2015, tendo o julgador dirimido a controvérsia tal qual lhe fora apresentada, em decisão devidamente fundamentada”

“Além disso, o exame das razões recursais revela que o recorrente pretende, por via transversa, a revisão de matéria de fato, apreciada e julgada com base nas provas produzidas nos autos. Eventual modificação da conclusão do Colegiado aria pela análise fático-probatória e interpretação da relação negocial entre as partes, já decidida pelas instâncias ordinárias.”

“Por fim, no que tange especificamente a redistribuição dos honorários sucumbenciais, eventual modificação da conclusão do Colegiado aria pela seara fático-probatória, soberanamente decidida pelas instâncias ordinárias, de modo que não merece trânsito o recurso especial, face ao óbice do Enunciado nº 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.”

Pois então. O recurso especial e atropelado pelas terríveis súmulas nº 7 e 83 do STJ. Extremamente difícil. É sempre essa ladainha:  quer rediscutir prova e o julgador esclareceu a controvérsia. Aliás, o meu vizinho Tavinho acredita em tudo que o STJ fala.

Como assim, excelências? É a jurisprudência defensiva. Copia e cola e sai “decidindo”. Isso ocorre com milhares de processos. E a justiça?

Daí a correta observação de Lenio Streck:

Todos sabemos das dificuldades extremas de se fazer ‘subir’ um REsp. Atravessar um fosso de jacarés, matar um leão e, ainda por cima, desviar-se das balas dos robôs que atiram nas palavras chaves. Convenhamos, é muita coisa. A retranca é de fazer inveja à escola gaúcha de futebol, numa metáfora ludopédica.”

Decisão boa do STJ

Vamos lá. A boa: a decisão monocrática, bem fundamentada, do STJ conheceu do agravo para dar provimento ao recurso especial a fim de reconhecida a violação do artigo 1.022 do C/2015. A propósito, isso é muito raro de ocorrer. A maioria dos recursos especiais é, infelizmente, logo exterminada. Vejamos:

“Já com relação aos demais pontos (necessidade de distribuição do ônus de pagamento das custas e inobservância do maior trabalho desempenhado pelo seu patrono nos arbitramentos dos honorários advocatícios de sucumbência), observa-se que, de fato, a Corte local não se manifestou e, embora o recorrente tenha provocado o Tribunal estadual através dos aclamatórios (e-STJ, fls. 967-984), este permaneceu silente, conforme se nota da ementa acima colacionada.”

“Com efeito, inarredável a conclusão de ofensa ao art. 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, haja vista que, independentemente do acerto ou não das teses invocadas, elas deveriam ser analisadas pela Corte de origem.”

“Saliente-se, oportunamente, que o direito ao provimento jurisdicional claro, coerente e congruente e corolário do devido processo legal, contido no inciso LIV do art. 5º da Constituição Federal. E, portanto, elemento do núcleo intangível da ordem constitucional brasileira, a que o julgador deve integral obediência.”

“Ante o exposto, conheço do agravo para dar provimento ao recurso especial a fim de, reconhecida a violação do art. 1.022 do C/2015, determinar ao tribunal de origem que realize novo julgamento dos embargos de declaração, devendo se pronunciar, como entender de direito, sobre as relevantes questões que lhe foram submetidas pela parte embargante.”

Logo, totalmente, equivocada a corte de origem, quando não itiu o recurso especial, fulminado nos termos do artigo 1.030, V, do  Novo Código de Processo Civil (NC).

Cá pra nós! O tribunal de origem, sim, errou feio!

Decisão ruim do STJ

Spacca

A tese do recorrente foi:  ocorrência de negativa de prestação jurisdicional por parte do tribunal local, quando provocado por embargos de declaração, a se pronunciar sobre omissão apontada.

Vale dizer, por ocasião do julgamento dos embargos de declaração, o tribunal a quo limitou-se a reiterar os termos do acórdão atacado, deixando de se pronunciar expressamente sobre os pontos e argumentos levantados pela recorrente, nos embargos de declaração.

Numa linguagem simples: o tribunal fez cara de paisagem com os argumentos apresentados, sem fazer o devido enfrentamento. Vejamos, assim, sempre com todo o respeito, a decisão ruim:

“Quanto a primeira omissão alegada (inexistência de pactuarão expressa da capitalização de juros), sem razão o recorrente, pois o Tribunal local se manifestou de forma satisfatória sobre o ponto. Veja-se a fl. 949 (e-STJ).”

Pois então. Vamos ao ponto: o fato é que a informação essencial sobre a forma de capitalização dos juros, ou seja, se são juros simples ou compostos os contratos não falam! Não, mesmo!

Como se vê, flagrantemente, sim, houve um vício contratual por violação de direitos básicos elencados no Código de Defesa do Consumidor (CDC), que é de ordem pública, podendo ser analisado em qualquer fase processual, não havendo preclusão, ainda mais que houve o prequestionamento do ponto.

De outro modo, foi violado direito básico do recorrente: à informação clara e adequada (artigo 6º, III), transparência (artigo 4º, caput) e boa-fé objetiva, do CDC. Só se ultraar essa etapa pode-se examinar se a cláusula e abusiva ou não, pelos parâmetros do artigo 51 do CDC.

Porém, essa questão não foi apreciada e julgada pelo Tribunal de Justiça. Esse relevante argumento, isto é, se juros simples ou compostos, invocado pelo recorrente, não foi devidamente enfrentando pela corte.

Afinal, onde está expressamente pactuada e de forma clara a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual nos contratos? ou seja: se simples ou compostos? onde?

Logo, tudo demonstra, sim, que o recorrente não tinha ciência prévia da capitalização dos juros, isto é, se simples ou compostos, ocorrendo no caso concreto violação à informação clara, boa-fé objetiva, transparência e lealdade, restando evidenciado vício de consentimento quando de sua adesão.

Há flagrante omissão!

Nota-se que há um crescimento exponencial dos juros compostos a partir do ano de amortização, enquanto os juros simples, o crescimento da dívida segue num patamar sustentável para o tomador do empréstimo.

Aqui está o cavalo de troia que os bancos escondem e não informam ao consumidor nos contratos.

amos a análise do outro ponto da decisão:

“No que se refere a capitalização de juros, havendo previsão no contrato de que a taxa anual de juros e superior ao duodécuplo da mensal, considera-se informado o consumidor sobre a capitalização mensal dos juros.”

Ocorre que, os contratos de consignados e do cheque especial não têm nenhuma previsão, de que taxa anual de juros é superior ao duodécuplo da mensal.

Explico: mesmo que existisse a previsão expressa, o que não houve, acerca da capitalização de juros nos contratos, não seria razoavelmente possível subentender, pela mera avaliação de um homem médio, que a taxa anual de juros sendo superior ao duodécuplo da taxa mensal prevista no contrato, o consumidor estaria devidamente informado.

É uma ficção…

É um faz-de-conta de que o Tavinho consumidor foi informado…

Por conseguinte, foi perguntado, nos embargos de declaração, então, com o devido respeito e acatamento, com escopo de aclarar e lançar luz, é claro, a partir do julgamento realizado:

“Onde nos, instrumentos contratuais, constam a forma de capitalização dos juros, isto é, se são juros simples ou compostos?”

“Onde estão, nos contratos, expressamente e de forma clara a previsão de que taxa anual de juros é superior ao duodécuplo da mensal?”

O tribunal continuou omisso! Ficou em silêncio!

Cuidado: se recorrer, pode multar

Chama a atenção a parte final da decisão monocrática do STJ:

“Fiquem as partes cientificadas de que a apresentação de recursos manifestamente inissíveis ou protelatórios contra esta decisão ensejara a imposição, conforme o caso, das multas previstas nos arts. 1.021, § 4º, e 1.026, § 2º.”

Ora, ora, trata-se de uma questão de boa-fé hermenêutica. Por exemplo: os embargos de declaração são interpostos para esclarecer: obscuridade ou eliminar contradição, suprir omissão ou corrigir erro material (artigo 1.022 do Novo Código de Processo Civil).

Ou seja, a parte embargante pode e deve, sim, usar mecanismos processuais previstos no NC para defesa de seu direito.

Pois é. A presunção de boa-fé é princípio geral de direito: a boa-fé se presume; a má-fé se prova. A oposição de embargos de declaração só pode ser caracterizada como má-fé se houver flagrante e escancarada deslealdade processual. Deve-se respeitar a boa-fé daquele que observou o NC.

Isso é uma obviedade óbvia!

Aliás, aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé (artigo 5º do NC). Porém, está incluído, também, o magistrado, não é?

Ou o inferno são os outros, como dizia Sartre?!

Conclusão

Tem coisas boas no direito. A decisão monocrática do STJ deu uma aula de direito processual constitucional à corte de origem, reconhecendo violação do artigo 1.022 do C/2015, pela negativa de prestação jurisdicional, determinando que seja realizado novo julgamento dos embargos de declaração.

Mas não basta! Podendo o recorrente, querendo interpor embargos de declaração com efeitos infringentes ou agravo interno, pois apesar da boa decisão do STJ, ainda há negativa de resposta do órgão julgador, quando provocado a se pronunciar sobre a omissão apontada.

Autores

  • é advogado, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor da Escola de istração Judiciária do TJ-RJ, especialista em Direito Constitucional e Ciências Penais e Direito e istração Pública e autor do livro Assédio Moral no Serviço Público (Violação da Dignidade Humana).

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