Revolução da escritura pública: de custo a motor de agilidade no Judiciário
31 de outubro de 2024, 15h20
Valendo-se da autonomia concedida pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) na Resolução nº 303/2019, o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), por meio de seu Conselho Superior da Magistratura, emitiu, no último dia 13 de setembro, o Provimento CSM nº 2.753/24, que traz detalhada regulamentação a respeito da gestão dos precatórios e seus procedimentos operacionais no âmbito do Poder Judiciário. Não há dúvidas de que o provimento é um enorme avanço na regulamentação do mercado de precatórios e de direitos creditórios em geral, o que demonstra o amadurecimento e relevância de um setor que movimenta bilhões de reais por ano.
Em que pese serem dignas de nota outras previsões do provimento, o foco aqui é a disposição que prevê a obrigatoriedade da formalização da cessão do precatório por meio de escritura pública. Quem atua no mercado de precatório sabe que essa não é uma questão nova e, mais do que isso, tem ciência de que houve uma grande evolução ao longo do tempo, sopesando custos e benefícios das escrituras. É certo que, quando da formação do mercado, as cessões particulares eram mais comuns, devido à pouca quantidade de cessões.
Atualmente, a maior parte dos grandes fundos de investimento e securitizadoras, além de empresas especializadas em precatórios para compensação istrativa, já celebra os seus negócios mediante escritura pública. A própria União, quando recebe precatórios em transações individuais (tributos atrasados), se utiliza de escritura pública.
A razão não é apenas formal, em função da consabida segurança conferida pelo documento com fé pública, mas de ordem prática: o tabelião, ao garantir a lisura e a correção da vontade das partes, a legitimação da representação destas, quanto aplicável, e a tutela da parte hipossuficiente (num contexto em que terminologia, deságio e velocidade negociais são fatores de compreensão fundamental), facilita a prática das cessões e, em caso de qualquer litígio, é fator fundamental para evitar indevidas anulações.
Inovação diminui morosidade e retrabalho do Judiciário
Daí já se vê errônea uma análise apressada do Provimento CSM nº 2.753/24 concluindo que a obrigatoriedade da escritura pública seria apenas um aumento de custos, uma barreira de entrada no mercado ou uma mera formalidade sem sentido.

Na verdade, é justamente o oposto: os tabeliães aram a ser figuras centrais para as cessões, gerando maior segurança e celeridade às operações do mercado de precatórios, diminuindo o retrabalho do Judiciário como um todo e gerando ganho financeiro ao mercado em si. Por exemplo, caberá ao tabelião reconstruir a cadeia de cessão de um determinado crédito, analisando a validade de todos os instrumentos de cessão que a compõem e corrigindo inúmeros vícios, como problemas de representação, indicação do objeto, porcentagem transferida e reserva de honorários advocatícios.
E essa dinâmica evolui para uma nova função atribuída à Diretoria de Execuções de Precatórios e Cálculos (Depre), que ará a realizar a análise formal das cessões de crédito apresentadas por instrumento público. Apenas em caso de incerteza quanto ao cumprimento dos requisitos formais, o juízo competente analisará a cessão.
Tal evolução normativa busca justamente diminuir a carga de trabalho dos juízos de execução contra a Fazenda Pública no estado de São Paulo, e combater um dos maiores problemas atuais do mercado de precatórios: a demora na análise e homologação das cessões de crédito. Não é raro uma petição de comunicação de cessão de crédito demorar mais de um ano para ser apreciada e, caso haja algum vício, essa análise se arrastar por anos, trazendo enorme insegurança à operação.
A participação do tabelião permitirá que o juiz foque sua atividade naquilo que ela é mais necessária e fará com que a homologação se torne, a médio prazo e conforme as normas já estabelecidas, algo praticamente automático e instantâneo! Como cita Blasco em texto sobre o renascimento das hipotecas, que pode ser adotado para o presente caso dos precatórios, “três características marcam essa via: (1) previsibilidade de custo (…), (2) previsibilidade de duração (…) e (3) absurda redução de espaço para adoção de meios protelatórios (…)”.
Considerações finais
Percebe-se, assim, que a exigência da celebração do negócio por escritura pública vai muito além de uma simples formalidade, que poderia ser substituída por certificados digitais ou plataformas eletrônicas. Mesmo nesse ponto, a supervisão do tabelião gera muito mais segurança em relação à exteriorização da vontade das partes do que a simples utilização de um certificado digital ou mecanismos de blockchain.

Na linha da recente Lei nº 14.711/2023, o provimento segue atribuindo novas funções aos tabeliães, como a comunicação ao Judiciário de negociações para cessão de direitos creditórios, tornando ineficazes cessões comunicadas posteriormente – e garantindo prazo para a juntada das escrituras.
Em conclusão, o provimento é um avanço, lançando um novo e fundamental papel aos tabeliães que trará maior credibilidade ao mercado de precatórios, velocidade às transações e ganhos a todos os envolvidos: cedentes, cessionários e advogados.
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