A natureza jurídica do prazo do artigo 22-A da Lei de Arbitragem: contagem em dias úteis ou corridos?
20 de abril de 2025, 17h14
A Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem), ao tratar das tutelas provisórias concedidas pelo Poder Judiciário em caráter pré-arbitral, dispõe, em seu artigo 22-A, parágrafo único, que a parte interessada deverá instaurar o procedimento arbitral no prazo máximo de 30 dias, contados da efetivação da medida liminar, sob pena de cessação automática de seus efeitos.
A norma, embora clara quanto à consequência da inércia, é silente em relação à forma de contagem do referido prazo: se em dias úteis, nos moldes do artigo 219 do Código de Processo Civil, ou em dias corridos, conforme o artigo 132 do Código Civil.
No julgamento realizado em 9/4/2025, nos Embargos de Declaração na Reclamação nº 36.459/DF, o STJ entendeu que o prazo previsto no artigo 22-A, parágrafo único, da Lei de Arbitragem possui natureza processual, devendo, portanto, ser contado em dias úteis.
O fundamento adotado repousou na analogia com o artigo 308 do C, que estabelece prazo idêntico de 30 dias para a formulação do pedido principal, após a concessão de tutela cautelar antecedente no âmbito judicial. A esse respeito, a Corte Especial do STJ, ao julgar os Embargos de Divergência no REsp nº 2.066.868/SP [1], pacificou o entendimento pela natureza processual desse prazo, encerrando a divergência sobre sua forma de contagem, que deve ser realizada em dias úteis, nos termos do artigo 219 do C.
Entretanto, a transposição desse entendimento para o artigo 22-A da Lei de Arbitragem merece ressalvas.
Dos fundamentos adotados pela corte no julgamento do EREsp nº 2.066.868/SP, extrai-se que a natureza processual do prazo do artigo 308 do C foi justificada com base em duas premissas:
(1) a sistemática do C de 2015 prevê a existência de um único processo, com uma etapa inicial voltada à concessão de tutela cautelar antecedente, seguida de eventual ampliação da cognição;
(2) a formulação do pedido principal constitui um ato processual, por ter sido praticado nos mesmos autos, produzindo efeitos diretos no processo já instaurado.
O artigo 308 do C, portanto, regula um ato endoprocessual, inserido no bojo de um mesmo processo judicial. Em contraste, o artigo 22-A da Lei de Arbitragem prevê um ato autônomo, exoprocessual, alheio à jurisdição estatal, voltado à instauração de um procedimento arbitral novo, direcionado ao Tribunal Arbitral a ser constituído [2].

Inclusive, uma vez apresentado o requerimento de instauração da arbitragem, cabe ao requerente apenas comunicar o juízo estatal acerca do protocolo — não havendo, nessas circunstâncias, qualquer possibilidade de deliberação judicial sobre a manutenção ou revogação da medida liminar anteriormente concedida [3], nos termos do artigo 22-B da Lei de Arbitragem.
A propósito, o procedimento delineado no artigo 22-A da Lei de Arbitragem guarda maior semelhança com o rito previsto no artigo 806 do Código de Processo Civil de 1973, que estabelecia o prazo de 30 dias para o ajuizamento da ação principal após a concessão de medida cautelar. Sob a vigência do C/1973, o STJ tinha o entendimento pacífico [4] de que tal prazo possuía natureza decadencial, devendo ser contado em dias corridos, por se tratar de prazo destinado à propositura de uma nova ação — de maneira semelhante ao que ocorre com relação ao procedimento arbitral.
Entendimento do STJ representa avanço
Essas diferenças estruturais entre o procedimento previsto no artigo 308 do C e o regime do artigo 22-A da Lei de Arbitragem inviabilizam, sob o ponto de vista lógico e sistemático, a aplicação analógica do entendimento firmado quanto ao prazo processual judicial ao contexto arbitral, na medida em que a adoção da contagem do prazo em dias úteis compromete a lógica própria do procedimento arbitral, que se pauta pela celeridade e pela primazia do Tribunal Arbitral na solução do mérito da controvérsia.
O entendimento firmado pelo STJ no julgamento dos EDcl na Rcl nº 36.459/DF represente um avanço na consolidação do regime procedimental das tutelas pré-arbitrais, ao reforçar a noção de que a parte beneficiada pela tutela provisória não pode valer-se de sua própria inércia para prolongar indevidamente os efeitos da medida liminar.
No entanto, pondera-se que o critério atualmente adotado para a definição da forma de contagem do prazo previsto no artigo 22-A da Lei de Arbitragem merece revisão, de modo que se reconheça tratar-se, na verdade, de prazo de natureza decadencial, a ser contado em dias corridos, sem suspensão ou interrupção, conforme já sustenta a doutrina especializada [5]. Tal interpretação visa a impedir a perpetuação indevida dos efeitos da medida liminar para além dos 30 dias legalmente fixados, assegurando que a parte beneficiária seja, de fato, compelida a instaurar o procedimento arbitral com a celeridade esperada.
[1] EREsp n. 2.066.868/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Corte Especial, julgado em 3/4/2024, DJe de 9/4/2024
[2] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. São Paulo: Atlas, 2023, p. 339
[3] REsp n. 1.586.383/MG, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, julgado em 5/12/2017, DJe de 14/12/2017
[4]AgInt no REsp n. 1.444.419/MG, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, julgado em 25/10/2016, DJe de 10/11/2016
[5] Indicando que o prazo do art. 22-A da Lei de Arbitragem é decadencial, devendo ser contado em dias corridos, e não em dias úteis. Cf. BENETI, Ana Carolina. Lei de arbitragem comentada: Lei nº 9.307/1996. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023. p. 266. Em sentindo semelhante, entendendo que por não se tratar de processo sincrético, seria possível conceber o prazo como decadencial: MUNIZ, Joaquim de Paiva. Tutelas de urgência e cooperação judicial. In: VENOSA, Sílvio; GAGLIARDI, Rafael; TABET, Caio (Coords.). Tratado de Arbitragem [recurso eletrônico]. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2024
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