A responsabilidade do advogado parecerista: impacto da Lindb e da Lei 14.133/2021
20 de abril de 2025, 8h00
Muito se tem visto a crescente responsabilização do parecerista jurídico pelos órgãos de controle e pelo Judiciário, que na análise de casos concretos utiliza critérios subjetivos por cada julgador para aferir o grau de responsabilidade do agente público perante a istração pública, à qual se encontra vinculado.
O parecerista jurídico, quando emite parecer, realiza ato istrativo utilizando-se dos pressupostos de fato e de direito para dar mais segurança jurídica para o gestor, evitando a violação de princípios e normas de direito, bem como avaliando as exigências ou restrições direcionadoras das contratações com o ente público. Nesse sentido, como peça fundamental na estrutura da istração pública, se torna evidente que além de zelar pela formação de uma boa governança pública, com a prevenção de danos, evitando uma má-gestão e realizando o controle de legalidade, deve-se pautar pelo pragmatismo, pela eficiência e pelo consequencialismo, para melhor aplicação de políticas públicas sem restringir a tomada de decisões necessárias e fundamentais.
Alterações
Com o advento da Lei nº 14.133/2021, que conferiu mais detalhadamente a atuação não só do advogado parecerista, mas também a criação do órgão de assessoramento jurídico, que no desenvolvimento dos processos de contratação pública, por força do artigo 53 § 1º, definiu a necessidade de ao final da fase preparatória o processo seguir para o órgão de assessoramento jurídico da istração realizar parecer sobre a contratação [1], e a imposição do necessário apoio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno para o desempenho das funções essenciais à execução da lei, em especial junto aos agentes de contratações, aos membros das comissões de contratações, aos fiscais e gestores de contratos, trouxe no artigo 10 a ideia do assessor jurídico ficar responsável em realizar a defesa do gestor público quando este for responsabilizado por ato em que se observou o contido no parecer jurídico, mesmo após ter deixado a gestão e atraiu-se, consequentemente, mais possibilidades destes profissionais sofrerem sanções e serem responsabilizados por suas atuações.
O tema vem sendo discutido desde o advento da nova Lindb (Lei nº 13.655/2018), que influenciou recentes decisões dos órgãos de controle e do Judiciário pela aplicação do artigo 28 [2], o qual delimitou que o agente público só responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro. Todavia, até os dias atuais, não nos parece ter sido entregue uma solução definitiva nem critério firme do alcance da responsabilização da atuação do parecerista, muito embora o Decreto nº 9.830/2019, tenha sido mais enfático que a afirmação do próprio artigo 28 da Lindb, uma vez que no artigo 12 [3] cita que “o agente público somente poderá ser responsabilizado por suas decisões ou opiniões técnicas se agir ou se omitir com dolo, direto ou eventual, ou cometer erro grosseiro, no desempenho de suas funções” e no § 1º dizendo que “considera-se erro grosseiro aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”.
Em muitos casos o dolo ou erro grosseiro foi tratado de maneira diversa, ou seja, o dolo sendo caracterizado pelo ato de “consciência mais vontade” ficou mais “fácil” de ser definido, todavia, o erro grosseiro figurou como uma nuvem nebulosa, com critérios muitos subjetivos para cada julgador e ou controlador.
Por outro lado, a Lei nº 14.133/2021 trouxe uma dogmática que se encaixa perfeitamente na hermenêutica da Lindb, que se baseando na segurança jurídica, na previsibilidade, na ponderação das consequências das decisões istrativas e judiciais, sempre com base na realidade vivenciada pelo gestor público, faz com que a avaliação do agente que agiu de maneira imprudente, negligente ou imperita, enfrente essas questões na construção de um ambiente jurídico mais estável e previsível, garantindo que a istração possa contratar de forma mais eficiente e sem receio de sofrer penalizações arbitrárias, trazendo, portando, uma evolução e o fim do chamado “apagão das canetas”.

Possível resolução
Acerca disso, a problemática enfrentada consiste em avaliar se a conduta do agente, na prática, é considerada uma conduta prudente, diligente e perita e, por isso, alguns doutrinadores e a jurisprudência, utilizam a figura do “homem médio”, para descrever se a conduta do agente se amolda ao grau de responsabilização e ilicitude da referida norma ou não. De um modo geral, a conduta do médio ou homem médio é associada ao erro inescusável, pois só haverá erro grosseiro quando o erro for inescusável, logo, entende-se que é inescusável o erro que poderia ser percebido por agente público de inteligência e conhecimentos normais, ou seja, pelo médio. A aferição da culpa é realizada com base no dever de cuidado objetivo, avaliada segundo os parâmetros de comportamento de um homem médio, uma vez que os tipos são fechados e abertos, e as condutas imprudentes, negligente e imperitas tem conotação de tipos abertos, pois demandam esforço interpretativo para a sua definição, mais a valoração subjetiva do julgador.
A nova lei de licitações e contratos 14.133/2021, por natureza criou uma espécie de governança interna na istração, exemplo típico é a necessidade de criar regulamento e definir a atuação de cada agente de contratação, delimitar quem serão os gestores do contrato, a equipe funcional, os fiscais, conforme preconiza o art.igo8º §3º [4], criando um regulamento especificando de atuação, de atividade e desempenho de cada agente público. Com base nisso, o parecerista ao emitir o parecer, além de seus próprios conhecimentos jurídicos e expertise, tem ou ao menos deveria ter subsídios e informações completas da gestão, de cada agente responsável pela sua função dentro da sua área de atuação e capacitação, de modo a evitar o ato negligente, imprudente ou imperito, não podendo alegar torpeza dos seus atos.
No mesmo sentido, entendo que o legislador ao tratar, no artigo 7 § 1º [5], traz justamente a ideia da preferência para atuar nas contratações, servidores públicos efetivos ou permanentes dos quadros da istração que tenha atuado com licitações ou que possua capacitação e formação compatível e atestada pelo poder público, ou seja, justamente para sopesar o grau de diligência elevado para se tomar decisões, buscando equalizar o critério de um homem médio ou além do homem médio, evitando erros grosseiros nas suas decisões.
Com base nisso, este arcabouço normativo poderia em muitas das vezes ser utilizado pelos órgãos de controle e ou Judiciário como referência para a análise de casos concretos, permitindo uma abordagem mais criteriosa na avaliação da conduta dos pareceristas e dos agentes públicos, adequando ou até mesmo criando diretrizes normativas mais detalhadas que estabeleçam parâmetros objetivos para a identificação de erro grosseiro, levando em consideração fatores como a complexidade da matéria analisada, o tempo disponível para elaboração do parecer, a existência de precedentes istrativos ou judiciais sobre determinado tema, as diligentes atuações de governança da istração nas informações que subsidiaram o parecerista, e a clareza das normas aplicáveis. Com isso, a adoção de uma visão mais rigorosa e voltada à proteção do erário, se justificaria em conformidade com as normas em especial com a lei de licitações e contratos, ampliando a interpretação de erro grosseiro para abarcar situações em que a conduta dos parecerista poderia ter sido mais diligente, por estar além do “homem médio”, com grau de expertise e experiência ao cargo que possui.
[1] Art. 53. Ao final da fase preparatória, o processo licitatório seguirá para o órgão de assessoramento jurídico da istração, que realizará controle prévio de legalidade mediante análise jurídica da contratação. § 1º Na elaboração do parecer jurídico, o órgão de assessoramento jurídico da istração deverá: I – apreciar o processo licitatório conforme critérios objetivos prévios de atribuição de prioridade; II – redigir sua manifestação em linguagem simples e compreensível e de forma clara e objetiva, com apreciação de todos os elementos indispensáveis à contratação e com exposição dos pressupostos de fato e de direito levados em consideração na análise jurídica (BRASIL. Lei n. 14.133, de 01 de abril de 2021d. Lei de Licitações e Contratos istrativos. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm. o em: 20 out. 2024).
[2] Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro (BRASIL. Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Diário Oficial da União, 1942).
[3] Art. 12. O agente público somente poderá ser responsabilizado por suas decisões ou opiniões técnicas se agir ou se omitir com dolo, direto ou eventual, ou cometer erro grosseiro, no desempenho de suas funções. § 1º Considera-se erro grosseiro aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia. § 2º Não será configurado dolo ou erro grosseiro do agente público se não restar comprovada, nos autos do processo de responsabilização, situação ou circunstância fática capaz de caracterizar o dolo ou o erro grosseiro. BRASIL. Presidência da República. Decreto n. 9.830, de 10 de junho de 2019. Regulamenta o disposto nos art. 20 ao art. 30 do Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, que institui a Lei de Introdução às normas do Direito brasileiro. Brasília, DF: Senado Federal, 2019. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/d9830.htm. o em: 12 nov. 2024.
[4] Art. 8º A licitação será conduzida por agente de contratação, pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da istração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação. § 3º As regras relativas à atuação do agente de contratação e da equipe de apoio, ao funcionamento da comissão de contratação e à atuação de fiscais e gestores de contratos de que trata esta Lei serão estabelecidas em regulamento, e deverá ser prevista a possibilidade de eles contarem com o apoio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno para o desempenho das funções essenciais à execução do disposto nesta Lei.
[5] Art. 7º Caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização istrativa indicarem, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução desta Lei que preencham os seguintes requisitos: § 1º O agente de contratação será auxiliado por equipe de apoio e responderá individualmente pelos atos que praticar, salvo quando induzido a erro pela atuação da equipe.
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