Segredo de justiça na arbitragem: Câmara de Direito Empresarial do TJ-SP aplica artigo 189, IV do C
12 de fevereiro de 2025, 7h02
Há alguns anos, publicamos artigo no blog de arbitragem da FGV [1] tecendo considerações críticas ao posicionamento adotado pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo ao julgar o Agravo de Instrumento nº 2263639-76.2020.8.26.0000, caso em que recusou a aplicação do sigilo processual previsto no artigo 189, IV, do C a uma ação anulatória de sentença arbitral. Não podemos deixar de citar, no entanto, o respeito aos membros da douta Câmara, cujos votos, dotados de muita qualidade na fundamentação, são de estudo obrigatório por todos os operadores do Direito, especialmente porque o posicionamento em questão viabiliza que o meio acadêmico tenha o aos processos arbitrais e possa realizar pesquisas que antes não eram possíveis.

Mas, conforme comentamos no referido artigo, a decisão em questão, além de violar o sigilo arbitral assegurado por lei, afrontou a regra constitucional da cláusula de reserva de plenário (artigo 97, CF/88), tendo em vista que ela foi proferida por órgão fracionário e, embora não de forma expressa, negou validade (e aplicação) ao artigo 189, IV, do C, medida que, nos termos da Súmula Vinculante nº 10 [2], somente poderia ser tomada pelo pleno ou órgão especial do Tribunal.
Na verdade, como destacamos em nossa análise anterior, a decisão em questão era, em última análise, uma manifestação de inconformismo do órgão julgador com a opção política do legislador pela restrição da publicidade processual em casos envolvendo arbitragem, opção política essa que é plenamente legítima, tendo em vista que a própria Constituição, no artigo 5º, LX, permite a restrição da publicidade quando o interesse envolvido justifica a medida. Nos exatos termos desse dispositivo, “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.
Tendo em vista que os processos arbitrais, muitas vezes, envolvem informações empresariais de caráter estratégico sobre os mais variados negócios, é natural que a publicidade em relação a eles precise ser restringida, sob pena de causar sérios prejuízos aos agentes econômicos envolvidos e, consequentemente, ao próprio desenvolvimento socioeconômico do país. Em virtude disso, é indispensável que seja preservado o segredo do negócio através do sigilo da arbitragem.
Por esse motivo, o C, no artigo 189, IV, estabeleceu que, embora a regra seja a publicidade dos atos processuais, devem tramitar em segredo de justiça os processos “que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo”.
Seguindo esta linha, o Conselho Nacional de Justiça previu o segredo de justiça na Resolução nº 421 de 29/09/2021, ao estabelecer o seguinte:
“Art. 4º, Resolução CNJ 421/2021. Desde que a confidencialidade do procedimento arbitral seja comprovada, os pedidos de cooperação judiciária entre juízos arbitrais e órgãos do Poder Judiciário deverão observar o segredo de justiça, na forma prevista no artigo 189, IV, do Código de Processo Civil, e no artigo 22-C, parágrafo único, da Lei de Arbitragem.” [3]

Portanto, havendo cláusula de confidencialidade na arbitragem, a judicialização do caso deve, segundo a legislação brasileira, respeitar essa confidencialidade. Qualquer decisão judicial que afaste a regra do artigo 189, IV, do C no caso concreto representa uma declaração oblíqua de inconstitucionalidade desse dispositivo, e, quando isso é feito por órgão fracionário de tribunal, há violação à reserva de plenário.
Outra decisão
Porém, como somos entusiastas da máxima “a César o que é de César”, voltamos ao tema para, dessa vez, celebrar o acerto de outra decisão do mesmo tribunal no trato da questão.
Mais recentemente, ao julgar o Agravo de Instrumento nº 2273251-67.2022.8.26.0000, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, seguindo a linha de pensamento por nós defendida, registrou que o sigilo judicial previsto no artigo 189, IV, do C foi uma opção política do legislador adotada de forma válida, tendo em vista a autorização constitucional nesse sentido (artigo 5º, LX, CF/88), não havendo inconstitucionalidade alguma no caso [4]. Logo, o segredo de justiça previsto nesse dispositivo legal é compatível com a Constituição e não deve ser tido como inconstitucional, seja de forma indireta (pela sua mera não aplicação no caso concreto), seja de forma direta (pela expressa declaração de sua inconstitucionalidade).
Em outras palavras: a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, nesse caso, reconheceu que há relevantes interesses socioeconômicos envolvidos na arbitragem e que esses interesses, nos termos do artigo 5º, LX, da CF/88, justificam a restrição da publicidade dos atos processuais, o que levou o legislador infraconstitucional a prever de forma válida, no artigo 189 do C, o sigilo processual para os casos envolvendo arbitragem.
Nos exatos termos do voto do desembargador relator do caso, “há interesse tutelável juridicamente que justifica a opção do legislador por excepcionar, em alguns casos, a publicidade prevista no art. 5º, LX, da CF”.
O desembargador relator, inclusive, citou outro precedente em que o mesmo entendimento foi adotado. Trata-se do Agravo de Instrumento nº 2114763-14.2022.8.26.0000, julgado pela própria 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo em 27/06/2022, caso em que se decidiu pela validade do sigilo previsto no artigo 189, IV, do C, justamente por conta do “interesse social no fomento dos negócios realizados no Brasil e na atração de investimentos para o país” e porque a “escolha da arbitragem como meio de solução de litígios e possibilidade de lhe atribuir confidencialidade são fatores importantes para muitos investidores”.
E não é só isso. Essa linha de pensamento foi adotada no Tribunal de Justiça de São Paulo também no Agravo de Instrumento nº 2041764-63.2022.8.26.0000, no qual a 33ª Câmara de Direito Privado da Corte, respeitando o sigilo processual previsto no artigo 189, IV, do C (e a sua presunção de constitucionalidade), aplicou o segredo de justiça a processo judicial discutindo questões atinentes a processo arbitral.
Portanto, o que vemos agora, no âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo, é uma tendência de respeito à legítima opção política do legislador pelo sigilo judicial nos casos evolvendo arbitragem. A corte vem reconhecendo a importância da arbitragem para o desenvolvimento socioeconômico do país e a necessidade de aplicar, de modo efetivo, os instrumentos previstos na legislação para proteger e promover esse relevante papel do processo arbitral.
[2] Súmula Vinculante 10: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”
[3]. Disponível em https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4150, o em 09/02/2025.
[4]. “Observo, por fim, que respeitado o entendimento do D. Juízo de origem, quanto à declaração incidental de inconstitucionalidade do inciso IV, do art. 189, do C, não é o entendimento deste Relator, porquanto há interesse tutelável juridicamente que justificar a opção do legislador por excepcionar, em alguns casos, a publicidade prevista no art. 5º, LX, da CF”, Agravo de Instrumento nº 2114763-14.2022.8.26.0000 , julgado pela própria 2º Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo.
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