BRASIL EM JULGAMENTO

RDD e regime federal são privações de liberdade “análogas à tortura”, diz professor à CIDH

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16 de fevereiro de 2025, 7h30

“O regime disciplinar diferenciado (RDD) e o regime federal, como sanção disciplinar ou medida cautelar, são incompatíveis com as normas internacionais, interamericanas e constitucionais que regulam a pessoalidade, a humanidade e a individualização das penas, e configuram formas dessocializadoras, cruéis e degradantes de privação de liberdade análogas à tortura”.

É o que afirma Salo de Carvalho, professor de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parecer apresentado à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) no caso Mauricio Hernández Norambuena vs. Brasil.

O chileno Maurício Hernandez Norambuena foi condenado pelo sequestro do publicitário Washington Olivetto e afirma ter sofrido violações de direitos humanos durante a prisão no Brasil. Ele é representado pela Defensoria Pública da União, que afirma os quase 17 anos de isolamento na prisão (no RDD e no regime federal) “são formas de tratamento cruel e desumano, prejudiciais à integridade psíquica e moral dos indivíduos em situação de prisão.”

A CIDH iniciou as audiências na quinta-feira ada (6/2). Ainda não há prazo para o julgamento do caso.

Regimes inconstitucionais

Em parecer, Salo de Carvalho aponta que a sujeição de Norambuena ao RDD — com base na resolução que instituiu o regime como sanção disciplinar no estado de São Paulo, onde ele ficou inicialmente preso — é foi ilegal até a previsão da medida pela Lei 10.792/2003. Isso porque somente lei federal pode criar regime de cumprimento de pena (conforme o artigo 49 da Lei de Execução Penal).

Não há diferente relevante (formal e material) entre o RDD, estabelecido pela Lei 10.792/2003, e o regime federal, disposto pela Lei 11.671/2008, conforme o professor. Afinal, diz, “o tempo de isolamento, o prolongamento e a renovação da medida; as regras de incomunicabilidade e a forma de restrição de contato humano são similares”.

Os isolamentos impostos por esses dois regimes, como sanção disciplinar ou medida cautelar, violam normas internacionais e a Constituição Federal. Isso porque contrariam os princípios da pessoalidade e da individualização da pena e da dignidade humana. Com isso, configuram formas de privação de liberdade análogas à tortura.

Além disso, o RDD e regime federal desrespeitam o princípio da excepcionalidade e o princípio da proporcionalidade, por não serem procedidos por medidas menos gravosas e não terem limite temporal, destaca Salo de Carvalho.

O professor também afirma que os requisitos que autorizam a aplicação dos dois regimes violam o princípio da legalidade, pois incompatíveis com a exigência da taxatividade; o princípio da materialidade da ação, uma vez que desconsideram fatos concretos geradores de risco durante a execução penal; e o princípio da presunção de inocência, pois permitem o isolamento com base em indícios e suspeitas.

Os regimes podem ser impostos por decisão judicial sem manifestação da defesa. Dessa maneira, avalia o advogado, o procedimento legal deles ofende os princípios da ampla defesa e do contraditório.

Caso concreto

Salo de Carvalho elencou quatro iniciativas que devem ser adotadas urgentemente pelo Estado brasileiro. São elas:

Revogação da Lei 10.792/2003 e dos dispositivos da Lei de Execução Penal que item formas de isolamento (sancionatório ou cautelar) ao regime disciplinar diferenciado (sancionatório ou cautelar);

Reforma ampla do marco legal e da estrutura material das instituições federais de cumprimento de pena privativa de liberdade, em observância ao direito internacional dos direitos humanos das pessoas presas, em estrito cumprimento às Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos (Regras de Mandela);

Indenização do peticionário e de todos os presos encarcerados sob os regimes disciplinar diferenciado e federal no Brasil (medida compensatória econômica); e

Contagem do excedente antijurídico de sofrimento físico e psíquico, decorrente do regime diferenciado e do regime federal, como pena cumprida (remição [icta], nos termos da decisão da Corte Interamericana no caso do Instituto Plácido de Sá Carvalho (medida compensatória jurídica).

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