Direito Civil Atual

Prazo para exercício do direito de resolução

Autor

  • é professor de Direito Civil. Assessor de ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Membro da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP).

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18 de fevereiro de 2025, 9h16

Este artigo tem por objetivo examinar recente acórdão do Superior Tribunal de Justiça, proferido por ocasião do julgamento do REsp nº 1.765.641/SP, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, no qual a 3ª Turma definiu o prazo para exercício do direito de resolução contratual por inadimplemento.

ConJur

Em apertada síntese, a questão central consistia em definir se o reconhecimento da prescrição relativamente à pretensão de cobrança de eventual saldo remanescente decorrente de contrato de compra e venda de imóvel teria o condão de afastar o direito do credor à resolução contratual e de impedir a adjudicação compulsória do objeto do contrato.

O texto divide-se em três seções, além da introdução, a saber: 1) Elementos descritivos e fundamentos do acórdão; 2) O prazo para exercício do direito de resolução e o voto-vista da ministra Nancy Andrighi; 3) Conclusão.

1. Elementos descritivos e fundamentos do acórdão

Trata-se, na origem, de ação “declaratória de prescrição de dívida de contrato de compra e venda imobiliária, cumulada com pedido cominatório de obrigação de outorgar escritura” ajuizada por compradores em face de imobiliária.

A sentença julgou procedente os pedidos formulados para reconhecer a consumação da prescrição e condenar a ré à outorga da escritura definitiva do imóvel aos autores.

Interposta apelação, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou provimento ao recurso de apelação, afastando a possibilidade de resolução contratual na espécie.

Na oportunidade, entendeu o Tribunal bandeirante que “decorrido o prazo prescricional para que a ré exerça a pretensão de cobrar eventual saldo devedor, forçoso reconhecer a quitação do contrato, e não a sua rescisão, como defende a apelante, exsurgindo o direito dos autores à outorga da escritura, que deve ser providenciada pela ré”.

Irresignada, a imobiliária ré interpôs recurso especial, aduzindo, em síntese, ofensa ao art. 475 do Código Civil e ao artigo 32 da Lei n. 6.766/1979, ao argumento de que o inadimplemento contratual geraria para a parte prejudicada o direito de postular a resolução do contrato. Em síntese, argumenta que não poderiam ser confundidos o direito formativo de resolução, que seria perpétuo, com a pretensão de cobrança, naturalmente prescritível.

No âmbito da 3ª Turma do STJ, o e. Relator parte da premissa de que a inexistência de prazo para o exercício de um direito formativo não significa que ele não se submeta a determinadas condicionantes.

Após assentar que o direito de resolução não seria absoluto ou ilimitado, conclui que, “nos casos de rescisão de negócio jurídico por inadimplemento, em que a lei não estabelece prazo extintivo, o direito potestativo de o credor promover a resolução do negócio se sujeita ao prazo prescricional relativo à pretensão de cobrança de eventual saldo em aberto decorrente do contrato firmado entre as partes”.

Isso porque “o reconhecimento da prescrição no tocante à pretensão de cobrança de eventual dívida decorrente do compromisso de compra e venda de imóvel fulmina, igualmente, a possibilidade de exercício do direito potestativo de rescisão contratual pelo credor”.

Na hipótese concreta, sendo evidente e incontroversa a inércia da recorrente e tendo em vista o escoamento do prazo prescricional da pretensão de cobrança, concluiu a 3ª Turma que não mais seria possível o exercício do direito de resolução, conhecendo em parte do recurso especial e, nesta extensão, negando-lhe provimento.

2. Prazo para exercício do direito de resolução e voto-vista da min. Nancy Andrighi

O referido precedente é dos mais importantes para o Direito Civil, pois enfrenta tema clássico — o direito de resolução — que está presente no dia a dia da vida em sociedade, fortemente marcada pela contratualização das relações sociais. Por outro lado, talvez contraditoriamente, são escassos os autores nacionais que enfrentam a questão de forma direta.

O deslinde da controvérsia demanda, inicialmente, que se revisite os conceitos de pretensão e de poder formativo (=direito formativo).

A pretensão pode ser entendida como o poder de exigir um comportamento do polo ivo da relação jurídica, tendo por posição correspectiva o dever comportamental. Trata-se do grau de exigibilidade do direito (em sentido) subjetivo, exigindo sempre para sua satisfação, uma atuação do sujeito ivo [1].

Já o direito formativo ou poder formativo [2] — comumente denominado, no Brasil, de “direito potestativo” desde de controversa tradução de Giuseppe Chiovenda — é o poder de alterar a esfera jurídica do sujeito ivo, que não pode a ele se opor, por encontrar-se em estado de sujeição.

Nesse sentido, Alcides Tomasetti Jr. afirma que o chamado direito formativo integra a categoria “poder em sentido estrito” e consubstancia um poder atribuído ao titular do interesse tutelado de “constituir, modificar ou extinguir, unilateralmente, situações jurídicas nas quais outros sujeitos tem interesse” [3].

A partir das noções de pretensão e direito formativo, é possível avançar ao tema da distinção entre prescrição e decadência, indispensável à determinação do prazo de exercício do direito de resolução.

Em apertada síntese, prevalece no Direito brasileiro que: (a) as pretensões estão submetidas a prazo prescricional; (b) os poderes formativos com prazo de exercício fixado em lei estão submetidos a prazos decadenciais; e (c) os poderes formativos sem prazo de exercício fixado em lei devem ser considerados perpétuos. Ou seja, para se verificar se um prazo é prescricional ou decadencial, dever-se-ia investigar a natureza da posição jurídica tratada [4].

Na doutrina estrangeira, Ludwig Enneccerus ensina que “a prescrição se refere unicamente às pretensões, nunca aos direitos que não são pretensões. Portanto, se, como é muito frequente, outros direitos, especialmente os direitos potestativos, estão vinculados a um prazo, tratar-se-á sempre de caducidade [decadência]” [5].

Assim, para determinar o prazo para exercício do direito de resolução, impõe-se observar, em primeiro lugar, que a sua natureza jurídica é de direito formativo, pois implica interferência na esfera jurídica da outra parte, resolvendo o negócio jurídico [6].

Com efeito, esclarece Alcides Tomasetti Jr. que o exercício do direito de resolução representa “um poder jurídico formativo extintivo orientado à destruição da existência mesma do negócio, que, assim, deixa de ser no mundo jurídico” [7].

Se a natureza jurídica do direito de resolução é de direito formativo, é fácil perceber, a partir das premissas acima assentadas, que não pode estar submetido a prazo prescricional [8]. Nesse sentido, Pontes de Miranda é taxativo: “o direito formativo extintivo não prescreve […] Não há prescrição do direito de resolução” [9].

Assim, é prudente que se evite qualquer consideração que possa sugerir que o direito de resolução estaria submetido a prazo prescricional, pois tal conclusão iria de encontro à própria natureza jurídica do instituto. Afastada a prescrição, resta analisar se o referido direito estaria submetido a prazo decadencial ou se seria perpétuo.

Nesse ponto, vale destaque o importante voto-vista apresentado pela ministra Nancy Andrighi, que, a partir da doutrina de Pontes de Miranda, esclarece verdadeiramente a peculiar dinâmica do fenômeno jurídico em questão.

Após afastar, na esteira do voto do e. relator, a alegada perpetuidade do direito de resolução, sustenta a e. ministra Nancy Andrighi que o referido direito, a rigor, não se submete seja à prescrição, seja à decadência.

Isso porque, “uma vez prescrita a pretensão de cobrança oriunda do mesmo contrato, não mais estará o devedor obrigado a prestar, o que implica o encobrimento do elemento ‘inadimplemento’, obstando o exercício do direito de resolução por representar elemento indispensável de seu e fático. É dizer: sem inadimplemento, não pode haver resolução”.

Conclui, portanto, que “o que verdadeiramente ocorre é a extinção do direito de resolução, na medida em que a prescrição da pretensão de cobrança corrói ou desfalca o e fático do referido direito formativo, impedindo que este possa ser exercido”.

Essa é a conclusão alcançada por Pontes de Miranda, que, com o brilhantismo de costume, esclarece o fenômeno: “se o credor não mais podia cobrar, não mais pode pedir a resolução ou a resilição por inadimplemento, porque o réu não mais tem obrigação de prestar, embora deva. Não há prescrição; há encobrimento do elemento, inadimplemento, necessário ao e fáctico da resolução ou da resilição” [10].

No mesmo sentido, são as lições de Ruy Rosado de Aguiar Júnior [11] e Araken de Assis [12], ambos citando expressamente a doutrina de Pontes de Miranda [13].

Desse modo, não é possível, em virtude de sua natureza jurídica, afirmar que o direito formativo de resolução se sujeita ao prazo prescricional relativo à pretensão de cobrança.

Conforme esclarece a e. ministra Nancy Andrighi, “o fenômeno que se verifica, a rigor, é outro: uma vez prescrita a pretensão de cobrança oriunda do mesmo contrato, extingue-se o direito formativo de resolução pelo desfalque de seu e fático, o que, do ponto de vista dogmático, é substancialmente diverso e evita a afirmação de que os direitos formativos estariam sujeitos a prazos prescricionais”.

3. Conclusão

É salutar a conclusão alcançada pela 3ª Turma do STJ, definindo, de forma clara, qual é o prazo que tem o credor para, na hipótese de inadimplemento contratual, pleitear a resolução do negócio jurídico.

Em suma, não há prescrição ou decadência do direito de resolução. O que se verifica é o desfalque ou corrosão do e fático do referido direito em razão da prescrição da pretensão de cobrança. Em outras palavras, não é possível afirmar, tecnicamente, que o direito de resolução submete-se ao prazo prescricional da pretensão de cobrança. A influência é meramente reflexa: uma vez consumada a prescrição da pretensão de cobrança, extingue-se, como corolário lógico, o direito formativo de resolução.

O precedente firmado no julgamento do REsp nº 1.765.641/SP, nesse contexto, possui grande relevância para o direito civil brasileiro, pois, ao mesmo tempo em que reafirma a distinção entre os institutos da prescrição e da decadência, determina o prazo de exercício do direito de resolução por inadimplemento, posição jurídica que está presente no dia a dia dos operadores do direito nas mais diversas áreas.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFBA e UFMT).

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[1] LUMIA, Giuseppe. Lineamenti di teoria e ideologia del diritto. 3. ed. Milano: Giuffrè, 1981, p. 102-123; TUHR, Andreas von. Derecho Civil: teoria general del derecho civil aleman. v. 1. Buenos Aires: DEPALMA, 1946, p. 302 e 326.

[2] Pontes de Miranda utiliza a expressão “direito formativo”. Nessa seara, a terminologia vacila. A designação direito potestativo (Kannrechte; Rechte des rechtlichen Könnens) é comum na Itália, muito embora na Alemanha, onde a categoria foi elaborada, seja mais corrente as expressões direitos conformativos, direitos de formação ou direitos de configuração (Gestaltungsrecht). Na doutrina italiana, Giuseppe Chiovenda foi o responsável por divulgar a categoria, traduzida pelo autor como “direito potestativo”, porquanto se exaure em uma potestà. No entanto, expressão “direito potestativo”, resultado da tradução de Gestaltungsrecht levada a efeito por Giuseppe Chiovenda e transposta do italiano para o português, não se revela a mais adequada. Isso porque porque Gestalt comporta os significados de forma ou feição, e Gestaltung, os de formação, realização ou configuração, de modo que melhor seria o emprego de expressões tais como direito de configuração, direito conformador, direito de formação, direito formador ou direito formativo.

[3] TOMASETTI JR., Alcides In OLIVEIRA, Juarez de (Coord.). Comentários à lei de locação de imóveis urbanos. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 82-83.

[4] AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo, v. 3, p. 95-132, jan./jun. 1961.

[5] ENNECCERUS, Ludwig; KIPP, Theodor; WOLFF, Martin. Tratado de Derecho Civil: parte general. t. 1. v. 2. 3. ed. Barcelona: Bosch, 1981, p. 1019.

[6] Trata-se de entendimento pacífico na doutrina: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado: parte especial, direito das obrigações e extinção das obrigações. t. 25. Atual. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery. São Paulo: RT, 2012, p. 449; ASSIS, Araken de In ALVIM, Arruda; ALVIM, Thereza (Coords.). Comentários ao Código Civil brasileiro: direito das obrigações, arts. 421 a 578. V. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 618; NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY JUNIOR, Nelson. Instituições de Direito Civil: contratos. v. 3. São Paulo: RT, 2015; AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor: resolução. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2003, p. 36-37; ENNECCERUS, Ludwig; KIPP, Theodor; WOLFF, Martin. Tratado de Derecho Civil: derecho de obligaciones. t. 2. v. 1. Barcelona: Bosch, 1947, p. 193-194.

[7] TOMASETTI JR., Alcides In OLIVEIRA, Juarez de (Coord.). Comentários à lei de locação de imóveis urbanos. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 123.

[8] ENNECCERUS, Ludwig; KIPP, Theodor; WOLFF, Martin. Tratado de Derecho Civil: derecho de obligaciones. t. 2. v. 1. Barcelona: Bosch, 1947, p. 194.

[9] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito

Privado: parte especial, direito das obrigações e extinção das obrigações. t. 25.

Atual. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery. São Paulo: RT, 2012, p. 449

[10] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado: parte especial, direito das obrigações e extinção das obrigações. t. 25. Atual. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery. São Paulo: RT, 2012, p. 449.

[11] AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor: resolução. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2003, p. 36-37.

[12] ASSIS, Araken de In ALVIM, Arruda; ALVIM, Thereza (Coords.). Comentários ao Código Civil brasileiro: direito das obrigações, arts. 421 a 578. V. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 618-620.

[13] No mesmo sentido: SANTOS, Deborah Pereira Pinto dos. Indenização e resolução contratual. São Paulo: Almedina, 2022; MARTINS-COSTA, Judith e ZANETTI, Cristiano. Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez anos. Revista dos tribunais, v. 106, n. 979, p. 215-241, maio 2017.

Autores

  • é professor de Direito Civil Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Membro da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP).

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