Alteração do prazo para compensação: flerte com argumentação fiscal de previsibilidade de arrecadação
12 de junho de 2025, 9h20
No Recurso Especial nº 2.178.201/RJ, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça revisou de forma significativa a sua jurisprudência sobre o prazo para compensação tributária de créditos originados de decisões judiciais, impondo uma limitação temporal de cinco anos para a utilização desses créditos. Anteriormente, a própria turma entendia que, uma vez iniciado o processo de habilitação do crédito dentro do prazo de cinco anos, o contribuinte poderia utilizar os créditos até seu total esgotamento, sem qualquer limite temporal.
Agora, com a mudança alinhada ao entendimento da 1ª Turma, a compensação dos créditos deve ser realizada integralmente dentro do prazo de cinco anos, a contar do trânsito em julgado da sentença que reconheceu o direito à compensação.
A justificativa central para essa mudança, conforme expressado pelo relator ministro Francisco Falcão, é que permitir o uso indefinido dos créditos tributários transformaria a compensação tributária em uma aplicação financeira. Os contribuintes teriam o incentivo de postergar o aproveitamento dos créditos, visando a correção pela Selic, que é isenta de IRPJ e CSLL. Para a corte, a ausência de limitação “incentiva o contribuinte a retardar ao máximo o aproveitamento do indébito, corrigido pela Selic, cuja parcela não estará sujeita à tributação, além de privar a Fazenda Pública de qualquer previsibilidade a respeito do efetivo aproveitamento do crédito”.
O trecho da decisão que estabelece a limitação temporal de cinco anos para a utilização dos créditos tributários judiciais, impedindo sua compensação de forma gradual, conforme a dinâmica do fluxo de caixa do contribuinte, não leva em consideração de maneira adequada as práticas de elisão fiscal legitimamente aceitas pela legislação tributária.
Tais práticas visam otimizar a carga tributária do contribuinte por meio do uso estratégico de créditos acumulados, e são amplamente reconhecidas como ferramentas legítimas de planejamento tributário — e por isso que aquece o mercado tributário com aplicação de teses que efetivamente garantem o reconhecimento de abusividades de arrecadação e o recolhimento indevido ou a maior dos contribuintes.
Ao impor essa restrição, a decisão parece negligenciar as estratégias fiscais que contribuintes, especialmente as empresas de maior porte, adotam para gerir seus créditos tributários, de modo a garantir eficiência tributária e a otimização de sua carga fiscal.
Nessa linha, limitar a compensação dos créditos a um prazo fixo de cinco anos desconsidera as especificidades de cada contribuinte, principalmente no que tange a diferenças no fluxo de caixa e na capacidade de absorver tributos mensalmente ou por trimestre. Muitas empresas, ao longo dos anos, acumulam créditos tributários substanciais, frequentemente oriundos de teses tributárias com grande impacto, como as que envolvem a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins e créditos de PIS e Cofins sobre insumos.
Para tais empresas, a utilização gradual e flexível dos créditos é uma ferramenta essencial, alinhada às suas necessidades financeiras e operacionais. Impondo um prazo rígido de compensação, a segunda turma dificulta a gestão de créditos tributários de forma otimizada, comprometendo a liberdade de ação do contribuinte em um contexto econômico que exige adaptabilidade e planejamento de longo prazo.

É impensável impor ao contribuinte uma limitação temporal para a compensação de créditos que, originalmente, foram reconhecidos de forma tardia e apenas após extensa morosidade na definição das teses jurídicas. No caso específico da “tese do século”, houve um intervalo de quatro anos entre o julgamento do mérito e a modulação dos efeitos, o que gerou um dificultoso escoamento dos créditos para diversos setores.
Essa situação não decorre de uma postergação intencional ou de má-fé por parte dos contribuintes, mas sim de uma dificuldade prática real em utilizar os créditos dentro de um prazo tão . Portanto, impor um prazo de compensação sem levar em conta esse contexto é desconsiderar as condições reais em que os contribuintes se veem ao lidar com créditos tributários acumulados ao longo de um longo processo judicial, prejudicando-os de forma injusta e sem respaldo nas circunstâncias fáticas.
Ademais, o argumento de que a restrição temporal é necessária para garantir previsibilidade fiscal para o Fisco carece de fundamentação robusta e flerta com a argumentação política e arrecadatória. A previsibilidade do Fisco deve ser alcançada sem comprometer a autonomia tributária do contribuinte, que, dentro dos limites legais, tem o direito de gerenciar seus créditos tributários de maneira estratégica, conforme suas necessidades e a realidade econômica de sua empresa.
Novo cenário impõe uma revisão da governança tributária nas empresas
Ao adotar uma visão mais rigorosa e vinculada a uma necessidade de previsão do ente público quanto à gestão desses créditos, a decisão pode comprometer a harmonia da relação entre o fisco e o contribuinte, além de tornar a compensação de créditos tributários judiciais mais engessada e mais associada ao interesse arrecadatório. Portanto, não é razoável que uma decisão se alinhe aos interesses de previsibilidade de arrecadação da Fazenda Pública, ao impor uma limitação temporal rígida sobre a utilização de créditos tributários, que são um direito legítimo e fundamental do contribuinte.
Tal abordagem desconsidera a natureza do planejamento tributário, que, em sua essência, visa possibilitar a gestão eficiente dos créditos acumulados, de acordo com as necessidades econômicas específicas do contribuinte, e não deve ser moldada para atender, exclusivamente, à previsibilidade da arrecadação fiscal, muitas vezes em detrimento da autonomia financeira e estratégica das empresas.
Ainda, carreado nessa fundamentação, o ministro Falcão propôs o alinhamento ao recente posicionamento jurisprudencial da 1ª Turma e proponho a superação de precedente. Contudo, os julgados mencionados pelo relator abordaram a questão da interrupção do prazo de compensação entre o pedido de habilitação e o deferimento do crédito, o que trata de uma situação completamente distinta da que está sendo analisada neste caso. A base utilizada para justificar a mudança de entendimento e o overruling do posicionamento anterior parece estar fundamentada em uma hipótese que não corresponde à realidade do caso em questão.
Esse novo cenário, sem dúvida, exige uma revisão da governança tributária nas empresas, que precisarão adequar seus processos internos de gestão de créditos para garantir o aproveitamento eficaz dentro do prazo imposto, evitando perdas financeiras substanciais.
REsp nº 2178201/RJ: aqui
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