Os desafios dos agentic payments para o consumidor brasileiro
9 de maio de 2025, 13h23
A revolução dos agentes de inteligência artificial chegou ao mundo dos pagamentos digitais e é hora de discutir o seu impacto na ponta vulnerável da relação de consumo. Alguns dos maiores players globais desse mercado, como Mastercard, Visa e PayPal, acabam de anunciar a chegada dos chamados agentic payments, uma tecnologia que promete transformar o jeito como compramos. Com a ajuda da inteligência artificial, será possível ter um “agente digital” que faz compras por nós — sem que a precisemos clicar, confirmar ou sequer perceber que a transação aconteceu.

A ideia é simples: você autoriza uma IA a conhecer os seus hábitos, preferências, prazos, limites e outras condições que permitam agir em seus processos de compra. A partir disso, ela a a tomar decisões com autonomia, como renovar uma , pagar contas ou até comprar um presente antes de você lembrar da data. Tudo isso de forma automática, rápida e sem fricção.
Uma facilidade que, evidentemente, precisa ser contraposta com riscos que não são apenas os superficiais, da transação em si, mas, principalmente, os sistêmicos, da alteração da própria dinâmica da compra no ecossistema digital.
Do ponto de vista da tecnologia, não há dúvidas: é impressionante. Economiza tempo, pode reduzir erros, agilizar tarefas, oferecer conforto e comodidade. Mas a natureza desse tipo de automação total tem o potencial de alterar de forma definitiva a essência do nosso comportamento de consumo e, consequentemente, trazer um impacto inesperado e desconhecido em nossas finanças.
Quanto mais “frictionless” é a experiência — ou seja, quanto menos a gente pensa antes de clicar ou comprar — maior o risco de decisões impulsivas e repetidas. Essa premissa está na arquitetura básica das plataformas e do marketing digital, mas é o oposto do consumo consciente. Quando deixamos de refletir sobre cada gasto, podemos entrar num ciclo perigoso de consumo automático, sem controle real.
Essa preocupação não é nova. O consumo estimulado por tecnologias digitais já teve nos últimos anos um impulso exponencial com os pagamentos por aproximação (NFC). Segundo dados da Abecs, a associação que representa o setor de meios eletrônicos de pagamento, no terceiro trimestre de 2024, o volume dessa modalidade cresceu 46,5% e a quantidade de compras aumentou 33% em comparação com o mesmo período do ano anterior.
No total, compras com cartões e outros dispositivos por aproximação atingiram 65% dos pagamentos presenciais, e movimentam R$ 66 bilhões por dia. Isso quer dizer que os brasileiros realizam, em média, cerca de 2,8 milhões de pagamentos por aproximação a cada hora e 61% fazem isso de maneira frequente. Não há dúvidas de que a facilidade de simplesmente encostar o cartão ou o celular para pagar tornou as compras mais rápidas, mas também reduziu o tempo de reflexão antes de gastar. Uma solução técnica que reduz obstáculos para a ação por impulso claramente contribui para o aumento do consumo.

Proteção contra o superendividamento
Embora o cenário seja incrivelmente promissor em termos de mercado e negócios, não é responsável dissociar esta tendência da realidade e do contexto do Brasil, onde milhões de pessoas enfrentam o superendividamento. É justamente por isso que a legislação brasileira tem avançado e que os órgãos e instituições competentes têm buscado de várias formas promover a defesa do consumo consciente e da proteção ao consumidor.
O Código de Defesa do Consumidor já incorporou expressamente dispositivos de proteção nesse sentido, representando o reconhecimento do sistema jurídico nacional da importância de ajudar as pessoas a manterem sua dignidade financeira, oferecendo mecanismos para renegociação de dívidas e prevenção de abusos.
O desafio, portanto, é conciliar essas novas tecnologias em duas frentes: concretamente, com a proteção dos direitos básicos do consumidor. E em uma perspectiva mais estratégica, com o cuidado na promoção de comportamentos de consumo consciente.
Como pontos de partida para traçar esse equilíbrio entre uma solução tecnológica com tanto potencial de impacto e a responsabilidade que precisa acompanhar a sua introdução, é essencial que qualquer política de uso de produtos e serviços que incorpore essa possibilidade garanta, pelo menos: limites claros definidos pelo próprio consumidor; design de alertas ativos e em linguagem simples de gastos e de risco de endividamento; transparência sobre os critérios de decisão de compra automática adotados pelo agente de IA; monitoramento da atividade no segmento, com indicadores significativos e informes públicos que permitam o acompanhamento e providências de supervisão e controle oportunas, adequadas e em tempo hábil; e, principalmente, formas fáceis de cancelar ou revisar autorizações.
Foi-se o tempo em que soluções tecnológicas eram avaliadas apenas sobre o prisma de avanços no estado da técnica. Hoje, mais do que nunca, é óbvio que elas são verdadeiros catalisadores de transformações sociais, econômicas, culturais e até políticas e de comportamento. É assim que o impacto da adoção dessas soluções deve ser permanentemente discutido, principalmente em países em desenvolvimento, onde a estabilidade de todas essas dimensões costuma ser sempre mais sensível a profundas mudanças de paradigmas, como essa que a ideia de agentic payments sugere.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!