TJ-SP absolve réu por injúria racial devido a contexto de briga de vizinhos
22 de maio de 2025, 18h48
Constatado o contexto de discussões acaloradas e com o entendimento de que isso afasta a intenção específica de ofender, a 7ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu um homem que era acusado de injúria racial por dizer que seu vizinho de condomínio tinha “problemas por ser negrinho” e insinuar que as atitudes negativas dele eram esperadas devido à cor de sua pele.

Magistrados constataram que reformas em apartamento da vítima levaram a discussões e troca de ofensas com o réu
Segundo a denúncia, a vítima estava de mudança para o condomínio, mas notou um vazamento em seu apartamento, com origem no apartamento do réu. Os dois se desentenderam quanto ao pagamento dos consertos e ao barulho causado pelas obras.
Durante uma conversa com a empreiteira sobre a reforma, o acusado disse que seu vizinho tinha “problemas por ser negrinho” e ou a mão em seu próprio braço, em sinal de reprovação à cor de pele negra.
Sete meses depois desse episódio, após uma assembleia do condomínio, o réu abordou os representantes da a do local para cobrar multas contra o vizinho. Na ocasião, ele novamente apontou para o braço em repúdio à cor da pele da vítima e disse: “Também, esperar o quê, né?”
Ao tomar conhecimento das ofensas, a vítima representou contra o vizinho. Em 2023, foi declarada a extinção da punibilidade do acusado pelo primeiro episódio, devido ao excesso de prazo. Mas a denúncia foi recebida com relação ao segundo ocorrido, mais recente.
Em sua defesa, o réu alegou que o vizinho desrespeitava os horários de reforma. Também contou que negou um pedido da vítima para quebrar seu banheiro e, em seguida, foi chamado de “velho maluco”.
Segundo ele, o vizinho ainda ameaçou contratar uma banda para tocar em alto volume, tentou agredi-lo durante uma assembleia, pichou a porta de seu apartamento e espalhou um pó branco e tinta vermelha no local por meio de um orifício no banheiro.
Sentença
A 32ª Vara Criminal do Foro Central Criminal da Barra Funda, em São Paulo, absolveu o réu. Para a juíza Juliana Guelfi, o crime de injúria racial perde o dolo específico quando cometido “no calor de discussões”. Assim, torna-se apenas “mero destempero verbal”.
Segundo ela, o réu extravasou depois de uma “longa, desgastante e excruciante relação de vizinhança, qualificada pela falta de respeito e educação dos envolvidos”.
A magistrada constatou que o réu notificou o vizinho de forma extrajudicial pelos desacertos quanto às obras. Em retaliação, foi chamado de “velho”, “maluco” e “cuzão”. O vizinho ainda disse que “o bicho vai pegar”. O desentendimento se estendeu ao grupo de WhatsApp dos moradores do condomínio.
Juliana confirmou a existência do orifício no banheiro do réu e indicou que as câmeras flagraram o vizinho recém-chegado descendo para o andar onde o réu mora um dia antes da descoberta da pichação na porta.
“A vítima extrapolou os limites de convivência harmônica em um condomínio, xingando e até provocando o réu”, disse.
A juíza ainda apontou que o boletim de ocorrência por injúria racial só foi registrado um dia após o réu registrar BO contra o vizinho por suposta invasão de seu apartamento. Tudo isso aconteceu três meses após o segundo episódio denunciado.
Na sua visão, isso contraria o “comportamento esperado de pessoas que foram vítimas de crimes do quilate deste, objeto dessa ação penal”.
De acordo com a julgadora, não houve “dolo necessário para macular a honra alheia”, pois, em discussões acaloradas, “é comum que as partes profiram injúrias a esmo, sem controle e com a intenção de desabafar”. Para ela, se houve alguma lesão, ela se restringe ao campo civil.
A juíza ainda apontou que a injúria racial não constou na ata da assembleia e que o réu já havia se desentendido com uma das representantes da a do condomínio, testemunha no processo.
“Não se pode afirmar de maneira indene de dúvidas a imparcialidade do depoimento, o que se exigiria de uma testemunha equidistante das partes”, concluiu.
Tribunal
No TJ-SP, a juíza substituta Isaura Cristina Barreira, relatora do caso, votou por manter a sentença e foi acompanhada pelos demais colegas da câmara.
Ela confirmou que os fatos ocorreram em um contexto “conturbado” e “de conflitos entre vítima e réu”, com troca de ofensas. Também destacou que a vítima apenas registrou as injúrias no dia seguinte ao boletim de ocorrência registrado pelo réu.
De acordo com a relatora, não foi demonstrado o “dolo específico exigido para a configuração do delito”. Ela constatou “dúvida razoável” quanto à intenção do réu de ofender a vítima por causa de sua raça ou cor.
“Esse caso demonstra que por mais que se deva, sim, dar um maior peso à palavra da vítima em determinados delitos, isso não significa afastar o direito fundamental à presunção de inocência”, diz o advogado Fábio Dutra, que representou o réu.
“A palavra da vítima deve estar corroborada por outros elementos que, se não provem, pelo menos não apontem no sentido de uma dúvida relevante o bastante para impedir a condenação”, completa. “As pessoas esquecem, se enganam, são levadas a erro e eventualmente podem até mentir.”
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Processo 1534029-80.2022.8.26.0050
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