Opinião

O aproveitamento de coisa julgada em mandado de segurança coletivo

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27 de maio de 2025, 9h26

Quem acompanha o cenário dos julgamentos das grandes teses tributárias no país sabe que, cada vez mais, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm modulado os efeitos das suas decisões para definir o momento a partir do qual seus entendimentos am a produzir efeitos. Essa ferramenta, a despeito de ter por objetivo promover a segurança jurídica, inevitavelmente, causa distorções entre contribuintes, que, apesar de atuarem no mesmo ramo, têm impactos econômicos diversos, a depender, justamente, dos termos da modulação dos efeitos de uma decisão proferida pelo STF ou pelo STJ.

Diante disso, os contribuintes aram a buscar maneiras de se proteger dessas distorções, e uma delas é o aproveitamento de decisões favoráveis aos seus interesses proferidas em mandados de segurança coletivos, impetrados por associações civis de representação de determinado setor ou classe.

Contudo, não há clareza sobre as hipóteses nas quais um contribuinte pode se aproveitar de coisa julgada favorável obtida por uma associação no âmbito de um mandado de segurança coletivo: é necessária a associação do contribuinte antes da impetração do mandado de segurança ou o contribuinte que se associar depois também pode se aproveitar da coisa julgada favorável? É necessário que o contribuinte não tenha ajuizado ação individual para discutir a mesma tese cuja decisão se pretende aproveitar? E se o contribuinte tiver uma ação individual, há alternativas? A Associação deve ser específica para o ramo de atuação e para a localização do contribuinte, ou pode ter um escopo mais amplo e genérico?

Legitimação das associações

Aqui, pretende-se abordar algumas dessas questões.

De acordo com o entendimento do STF (no julgamento do Tema nº 1.119 da repercussão geral[1]) e do STJ (exarado em mais de uma oportunidade[2]), as associações possuem legitimação extraordinária, conferida pelo artigo 5º, LXX, da Constituição, para defender os interesses de todos os associados, isto é, não apenas daqueles que eram associados à época da impetração do mandado de segurança, mas inclusive daqueles que vierem a se associar depois.

Assim, tem-se que o entendimento da jurisprudência é pela desnecessidade de o contribuinte ser associado ao tempo da impetração do remédio constitucional, para que possa ser beneficiado pela coisa julgada formada em mandado de segurança coletivo.

Mas a mera associação não é suficiente: é necessário considerar se há ação individual ajuizada pelo contribuinte e seu impacto nos efeitos do aproveitamento da coisa julgada favorável obtida pela Associação. E, havendo ação individual, é necessário considerar o tipo de ação (ação ordinária ou mandado de segurança), o momento da sua propositura em relação ao mandado de segurança impetrado pela associação (antes ou depois), bem como o status da ação individual (em tramitação ou transitada em julgado), para se obter o melhor desfecho possível.

Renúncia tácita

A jurisprudência entende que o ajuizamento posterior de ação individual com o mesmo objeto de mandado de segurança coletivo prévio implica renúncia tácita aos efeitos da coisa julgada formada no mandado de segurança coletivo[3], o que poderia impossibilitar qualquer tipo de aproveitamento da coisa julgada favorável obtida no pleito da associação.

A despeito desse entendimento, é possível argumentar que não haveria renúncia tácita quanto aos fatos geradores relativos a períodos não abarcados pela ação ou pelo mandado de segurança individuais, ante a inocorrência de litispendência entre as ações individual e coletiva[4].

Alternativamente, a desistência da ação ou do mandado de segurança individuais também pode sanar a discussão da renúncia tácita e viabilizar o aproveitamento da decisão proferida no mandado de segurança coletivo.

Não obstante, essa possibilidade deve ser estudada para cada caso específico, tendo em vista os impactos e as consequências que essa desistência pode causar, considerando não só a natureza da ação, como também o momento processual em que se encontra.

Isso porque, no caso do mandado de segurança, a jurisprudência, calcada no entendimento firmado no Tema 530 do STF, vem itindo a desistência de mandado de segurança a qualquer momento, mesmo após a prolação de sentença desfavorável. Por outro lado, a desistência de ação ordinária só poderá ser apresentada antes de decisão de mérito e dependerá da anuência do Réu, caso já tenha sido apresentada contestação, conforme determinado pelo artigo 486, parágrafos 5º e 6º, do C[5].

Aproveitamento da coisa julgada

Spacca

De outro lado, caso a ação ou o mandado de segurança individuais sejam anteriores ao ajuizamento do mandado de segurança coletivo, não há discussão sobre renúncia aos efeitos da coisa julgada formada no mandado de segurança coletivo. No entanto, ainda assim, para o aproveitamento dos efeitos da coisa julgada formada no mandado de segurança impetrado por associação, também se faz necessário desistir do feito individual, mais uma vez, considerando, no caso específico, os impactos e as consequências advindos dessa desistência.

Deve-se ter em mente, ainda, que não se exige, necessariamente, que a associação esteja instalada na mesma localidade do contribuinte.

Com efeito, não se desconhece o entendimento firmado pelo STF, no julgamento do Tema 499, ocasião em que se entendeu que “a eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, somente alcança os filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador, que o fossem em momento anterior ou até a data da propositura da demanda, constantes da relação jurídica juntada à inicial do processo de conhecimento”.

Não obstante, o referido julgado trata exclusivamente de ações coletivas ajuizadas sob o rito ordinário (hipótese em que a associação atua como representante processual dos associados, conforme determinado pelo artigo 5º, XXI, da Constituição), não alcançando mandados de segurança coletivos (hipótese em que há efetiva substituição processual, nos termos do artigo 5º, LXX, da Constituição).

Esse entendimento é corroborado por ambas as Turmas do STJ, que entendem não ser aplicável o entendimento firmado no Tema 499 aos mandados de segurança coletivos, visto que a limitação territorial dos efeitos da decisão coletiva diz respeito apenas às ações coletivas de rito ordinário, ajuizadas por associação civil[6].

Limitação do estatuto da associação

A despeito dessa construção, não se deve ignorar que o estatuto da associação pode impor alguma limitação territorial para que empresas possam se associar, o que deve ser considerado também para verificar a possibilidade de aproveitamento da coisa julgada favorável em mandado de segurança coletivo.

Ainda importante registrar que, ao apreciar os embargos de declaração opostos no Tema 1.119, o STF entendeu que o referido paradigma não analisou a questão das chamadas “associações genéricas”,que não representam quaisquer categorias econômicas e profissionais específicas”.

Com base nisso, existem julgados que decidiram pela não aplicação do entendimento firmado no Tema 1.119 às chamadas “associações genéricas”[7].

Nesse caso, diante da não aplicação do Tema 1.119/STF, os efeitos da coisa julgada coletiva estariam s aos associados até a data de impetração do mandado de segurança coletivo, desde que tenha sido apresentada no processo autorização expressa dos associados, bem como a relação nominal destes.

Importante registrar que a jurisprudência ainda não está consolidada em relação aos requisitos para que determinada associação seja considerada (ou não) como associação genérica.

Assim, a despeito de termos uma indicação do caminho, a verdade é que muitas são as variáveis que permeiam o aproveitamento de coisa julgada em mandado de segurança coletivo por empresa associada à associação impetrante.

E, diante dessa quantidade de alternativas e possibilidades, cada caso deve ser analisado cuidadosamente, a fim de se evitar que o aproveitamento da coisa julgada favorável formada em um mandado de segurança coletivo inaugure uma nova celeuma tributária.

 


[1] Tese firmada: “É desnecessária a autorização expressa dos associados, a relação nominal destes, bem como a comprovação de filiação prévia, para a cobrança de valores pretéritos de título judicial decorrente de mandado de segurança coletivo impetrado por entidade associativa de caráter civil.”

[2] Exemplificativamente: AgInt no RE nos EDcl no AgInt no AgInt no REsp n. 1.835.257/RJ, relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 22/11/2022, DJe de 29/11/2022. AgInt no AREsp n. 2.067.028/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 9/11/2022, DJe de 11/11/2022. AgInt no REsp n. 1.841.604/RJ, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 22/4/2020, DJe de 27/4/2020.

[3] Exemplificativamente: STJ; Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial AgInt no AREsp 1702171 / RJ; Relator(a): Francisco Falcão; Órgão Julgador: 2ª Turma; Data da Decisão: 30/11/2020; Data de Publicação: 02/12/2020. TRF4; Apelação Civel 5001993-56.2020.4.04.7109; Relator(a): Sérgio Renato Tejada Garcia; Órgão Julgador: Terceira Turma; Data da Decisão: 24/11/2021; Data de Publicação: 24/11/2021.

[4] Exemplificativamente: TRF4; Apelação Cível 5018501-32.2019.4.04.7200; Relator(a): Victor Luiz dos Santos Laus; Órgão Julgador: Quarta Turma; Data da Decisão: 08/03/2023; Data de Publicação: 08/03/2023. TRF5; Agravo de Instrumento 0811302-84.2018.4.05.0000; Relator(a): Desembargador Federal Francisco Roberto Machado; Órgão Julgador: 1ª Turma; Data da Decisão: 09/07/2020; Data de Publicação: 09/07/2020.

[5]Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: (…)

§ 5º A desistência da ação pode ser apresentada até a sentença.

§ 6º Oferecida a contestação, a extinção do processo por abandono da causa pelo autor depende de requerimento do réu.

[6] AgInt no REsp n. 2.071.329/RJ, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 18/03/2024, DJe de 02/04/2024. AgInt no REsp n. 1.836.871/ES, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 08/05/2023, DJe de 17/05/2023.

[7] Exemplificativamente: STJ, ARE 1388698 AgR, Relator(a): ANDRÉ MENDONÇA, Segunda Turma, julgado em 24-10-2023; ARE 1339496 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: ANDRÉ MENDONÇA, Segunda Turma, julgado em 07-02-2023

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