Opinião

Invisibilidade da viúva: machismo estrutural e deturpação da meação no direito das sucessões

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30 de maio de 2025, 13h19

O processo de sucessão, por vezes tratado com a frieza dos números e a impessoalidade dos inventários, é terreno fértil para a reprodução de desigualdades históricas. Entre essas, destaca-se uma que insiste em se manter viva, mesmo diante das conquistas civis e constitucionais: a invisibilidade da viúva no contexto da partilha patrimonial.

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Em inúmeros casos concretos, a companheira sobrevivente — cônjuge ou convivente — é ignorada, desautorizada ou silenciada por filhos do falecido, que se veem, muitas vezes, como os herdeiros legítimos não apenas dos bens, mas também da prerrogativa de comandar sua istração. Tal postura é reforçada por um preconceito sutil: o de que a viúva é frágil, desinformada ou desnecessária nos trâmites decisórios. A isso, soma-se um erro jurídico recorrente e perverso: a confusão entre meação e herança.

É preciso reafirmar com clareza: meação não é herança. A meação constitui direito originário da companheira, anterior à abertura da sucessão. Confundir os institutos, como ainda se observa em práticas cartorárias, decisões judiciais e condutas familiares, é violar a ordem jurídica e promover injustiças que frequentemente resultam em vulnerabilidade financeira, dependência emocional e exclusão social.

Legislação omissa

A legislação atual é omissa quanto à proteção imediata da viúva quanto à fruição de sua meação durante o trâmite do inventário. Em muitos casos, bens comuns permanecem indisponíveis — ou sob controle exclusivo dos herdeiros —, enquanto a viúva aguarda uma partilha formal que pode demorar anos. Essa inércia institucional não apenas viola o direito de propriedade, mas coloca em risco a subsistência de mulheres que, após anos de dedicação à vida familiar, encontram-se privadas de o aos recursos que lhes pertencem por direito.

Diante desse cenário, urge que o projeto de atualização do Código Civil preveja mecanismos concretos de garantia do uso imediato da meação, independentemente da conclusão do inventário.

Spacca

Sugere-se, entre outras alternativas:

  • Instituição legal de rees mensais automáticos da meação líquida disponível, apurados com base no rendimento de bens comuns, aplicações financeiras e receitas patrimoniais, sem prejuízo da posterior compensação na partilha;
  • Proibição expressa da suspensão de uso de bens comuns pela viúva, salvo decisão judicial fundamentada;
  • Obrigatoriedade de nomeação da viúva como coa provisória dos bens inventariados, garantindo-lhe o às informações bancárias, extratos e decisões negociais enquanto perdurar o inventário;
  • Inversão do ônus da prova em litígios envolvendo exclusão da viúva das decisões patrimoniais, especialmente quando houver indícios de coação ou fraude.

Tais propostas visam não apenas a garantir efetividade ao direito de meação, mas também corrigir distorções histórico-culturais que ainda sustentam estruturas patriarcais dentro do direito das sucessões.

Sucessão patrimonial

A sucessão patrimonial não pode ser compreendida como simples operação de cálculo. Ela é, antes de tudo, um processo de transição de vínculos, afetos e compromissos sociais. Ignorar a centralidade da viúva nesse contexto é perpetuar uma lógica de exclusão que envergonha o Estado de direito e enfraquece os pilares da justiça distributiva.

Rever o papel da viúva, assegurar-lhe o imediato à meação e romper com a ficção de sua subalternidade são os urgentes para um sistema sucessório mais humano, mais técnico — e, sobretudo, mais justo.

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