Questões envolvendo o direito de acrescer na doação
22 de março de 2025, 16h16
No ordenamento jurídico brasileiro, a doação realizada aos cônjuges na constância do matrimônio, sem que o doador tenha fixado a parcela de cada um ou gravado o bem doado com a cláusula de incomunicabilidade, faz nascer o direito de acrescer descrito no artigo 551 do Código Civil.

Se assim o for, no momento do falecimento de um dos cônjuges donatários, o supérstite pode acrescer o patrimônio sem a necessidade de inventário, bastando para tanto apresentar requerimento com firma reconhecida ao cartório de registro de imóveis.
Por força deste instituto, o direito à integralidade da propriedade se estende ao cônjuge sobrevivente, desde que as parcelas não tenham sido determinadas pelo doador e que a doação não tenha sido gravada com a cláusula de incomunicabilidade.
Ocorre que algumas questões ainda são debatidas pelos tribunais nacionais e merecem atenção especial no que se refere a este instituto.
Entendimento na morte do donatário
Inicialmente, é curioso notar o caso em que o regime de bens dos cônjuges for o da comunhão universal de bens e a doação tenha sido feita apenas para um dos consortes.
Nesta situação, acreditamos que o melhor entendimento seria aquele no qual o direito de acrescer subsistiria na morte do donatário, garantindo ao cônjuge sobrevivente a totalidade do bem, ainda que a doação tenha sido realizada somente a um dos cônjuges.
Perfilhamos de tal entendimento uma vez que acreditamos que a doação às pessoas casadas sob o regime da comunhão universal de bens equivale à doação à ambos os cônjuges sem delimitação da fração que cabe à cada um, ante a existência do regime de bens que unifica o patrimônio.

Por tal motivo, dever-se-ia aplicar a regra insculpida no artigo 551 do Código Civil pátrio, garantindo ao cônjuge supérstite o direito de acrescer, como fez o TJ-DF no julgado 07267413020248070000 1922765, Relator.: Aiston Henrique de Sousa, Data de Julgamento: 12/09/2024, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: 25/09/2024).
Dessa forma, defendemos que, ressalvada a declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa (ou a um dos cônjuges casados sob o regime da comunhão universal), entende-se distribuída entre elas por igual e, se os donatários forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo.
Direito não depende do regime de casamento
Mas é importante que se entenda que o direito de acrescer não depende do regime de bens adotado pelos cônjuges, sendo plenamente válido e eficaz em qualquer regime, mesmo no caso da separação total de bens.
Por outro lado, por se tratar de uma regra de exceção, o direito de acrescer deve ser interpretado restritivamente, o que impede a ampliação de sua aplicação nos casos em que os beneficiários não são marido e mulher.
Para que exista tal direito em tais casos, o direito de acrescer deve estar expressamente previsto no contrato, sendo que não se pode determinar as parcelas atribuídas a cada um dos donatários uma vez que tal determinação teria o condão de afastar o direito de acrescer.
Outra questão interessante seria a possibilidade de se renunciar o direito de acrescer, tendo em vista que este decorre de uma disposição legal e expressa. Pois bem, entendemos que o direito de acrescer poderia sim ser renunciado.
Com efeito, referido direito comporta livre disposição do cônjuge sobrevivente, porquanto refere-se a direito de índole patrimonial, que pode ser disposto pelo seu detentor.
Reclamação do direito de acrescer
Por ser interesse individual e disponível do cônjuge supérstite reclamar o direito de acrescer, ele poderia tanto aceitá-lo como renunciar em benefício dos filhos a metade que lhe caberia, decorrente da doação conjuntiva.
Ademais, o próprio direito sucessório autoriza a parte dispor livremente de metade de seus bens em benefício de não herdeiros (artigo 1.846 do CC) e, assim, por que o cônjuge supérstite não poderia fazê-lo em relação à prole?
O mesmo entendimento é compartilhado pela jurisprudência pátria como se observa da decisão proferida pelo TJ-DF nº 0710665-28.2024.8.07.0000 1873743, Relator: Jose Firmo Reis Soub, Data de Julgamento: 04/06/2024, 8ª Turma Cível, Data de Publicação: 18/06/2024).
Incidência de ITCMD
Por fim, mas não menos importante, resta dedicar algumas linhas à questão da incidência ou não do imposto de transmissão causa mortis doação (ITCMD) e, como se trata de valores que devem recolhidos aos cofres públicos, a questão encontra divergências sobre a incidência tributária do direito de acrescer.
Para alguns, a parte ideal correspondente a 50% do bem imóvel se incorpora ao patrimônio do cônjuge sobrevivente, sendo devido o ITCMD por se tratar de uma aquisição não onerosa.
No entanto, para outros, o direito de acrescer não é previsto em lei como fato gerador do imposto de transmissão dado que não há efetiva transferência de bens e, por tal fato, em razão do princípio da legalidade, não haveria incidência da exação.
A jurisprudência atual, felizmente reforça este último entendimento, com o qual concordamos, considerando que a doação subsiste e não ocorre sucessão, afastando a incidência do ITCMD, como se pode observar da decisão proferida pelo TJ-SC — Recurso istrativo: 0047796-79.2022, Relator.: André Carvalho, Data de Julgamento: 13/10/2023).
No entanto, atualmente temos evidenciado que o órgão fazendário estadual ao analisar os casos, tem emitido sucessivas autuações com cobrança do tributo sob o argumento de que o direito de acrescer caracteriza uma forma de transmissão de bem e, por isso, deve ser enquadrado como hipótese de incidência tributária, pois o falecimento de um dos cônjuges donatários configura fato gerador do imposto sobre transmissão “causa mortis”, conforme o artigo 155, inciso I, da Constituição.
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