STJ diverge se cabe rescisória para aplicar modulação da ‘tese do século’
17 de agosto de 2024, 14h26
A possibilidade de a Fazenda Nacional usar ações rescisórias para restringir a aplicação da “tese do século” em ações que foram resolvidas antes de o Supremo Tribunal Federal fazer a modulação temporal de seus efeitos gerou divergência no Superior Tribunal de Justiça.

Relator, ministro Mauro Campbell votou pela impossibilidade de a Fazenda agir via rescisória em casos anteriores à modulação feita pelo STF
O tema começou a ser julgado na quarta-feira (15/8), sob o rito dos recursos repetitivos, pela 1ª Seção do STJ e foi interrompido por pedido de vista. A tese a ser fixada vai vincular as decisões dos tribunais sobre a questão.
A controvérsia envolve as ações para restituição de PIS e Cofins pago a mais pelo contribuinte e que se tornaram definitivas antes de 13 de maio de 2021.
Esses tributos foram pagos a mais porque houve a inclusão indevida do ICMS na base de cálculo, conforme decidiu o STF ao fixar a “tese do século” em 17 de março de 2017.
Quatro anos depois, em maio de 2021, o STF modulou a aplicação temporal dos efeitos da tese: ela só poderia ser aproveitada pelo contribuinte a partir de 17 de março de 2017, exceto nos casos em que já havia ação ajuizada para discutir o tema.
Assim, quem obteve o direito de compensação ou ressarcimento mediante ações ajuizadas entre março de 2017 e abril de 2021 entrou na mira da Fazenda Nacional, que ou a ajuizar ações rescisórias — são 1,1 mil delas.
Relator, o ministro Mauro Campbell entendeu que não cabe o uso da rescisória para esse fim. Abriu a divergência o ministro Herman Benjamin, que votou pelo cabimento. Pediu vista o ministro Gurgel de Faria.
Impacto
O REsp 2.054.759, um dos que está em julgamento, oferece um exemplo do impacto do julgamento do STJ. O contribuinte ajuizou a ação para excluir o ICMS da base de cálculo de PIS e Cofins em fevereiro de 2018, quando a “tese do século” já estava firmada.
Com a vitória na ação, ele teve o direito de restituir ou compensar os valores indevidamente pagos pelos cinco anos anteriores — desde fevereiro de 2023. Se aplicada a modulação do STF, o período aproveitado só começa em março de 2017.
“São 4 anos e 9 meses de repetição de indébito tributário indevida”, disse o procurador Marcelo Kosminsky, na sustentação oral pela Fazenda Nacional.
O julgamento também tem importância por seu fator processual. Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, a Fazenda vem conseguindo vitórias nas instâncias ordinárias, mas há uma espécie de limbo recursal à frente.
O STJ tem apenas um precedente colegiado em que decide não analisar o cabimento da rescisória, por se tratar de tema constitucional — a aplicação de uma tese definida pelo STF.
Já o STF tem decisões monocráticas em que não analisa recursos contra essas rescisórias, por entender que o cabimento da medida é tema infraconstitucional, por envolver normas do Código de Processo Civil.
Não pode rescindir
Relator, o ministro Mauro Campbell entendeu que a Fazenda Nacional não pode usar da ação rescisória para desconstituir decisões que aplicaram a “tese do século” em sua totalidade antes da modulação dos efeitos feita pelo STF.
Isso porque um dos pressupostos para a rescisão é a violação manifesta da norma jurídica, como prevê o artigo 966, inciso V do Código de Processo Civil.
As decisões que aplicaram a “tese do século” antes da modulação não violaram norma alguma, pois só havia uma posição pacificada e inclusive vinculante, já que o julgamento do STF foi feito sob o rito da repercussão geral.
“Se não havia modulação, sequer havia norma jurídica a ser violada como pressuposto da ação rescisória. Não há como violar aquilo que sequer existe. Quanto mais violar manifestamente, como exige artigo 966”, disse o ministro.
Assim, incide ao caso a Súmula 343 do STF: não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.
Teses propostas
- Em havendo jurisprudência oscilante ou total ausência de precedentes ao tempo do julgamento do acórdão rescindendo, somente julgado posterior em sede de controle concentrado de constitucionalidade pelo STF é capaz de afastar a incidência da Súmula 343.
- É inissível a rescisória para adequar julgado realizado antes de 13 de maio de 2021 à modulação de efeito estabelecida pelo Tema da repercussão geral do STF.
Pode rescindir
Abriu a divergência o ministro Herman Benjamin, que não leu o voto e apenas apresentou as teses. Ele deixa a 1ª Seção na próxima quinta-feira (22/8) para assumir a presidência do STJ, portanto as razões de decidir não serão explicitadas.
A posição manifestada nas teses, no entanto, é de que, apesar de os acórdãos rescindendos serem anteriores à modulação, eles podem ser rescindidos, como pretende a Fazenda Nacional.
Tese proposta
Nos termos do artigo 535, parágrafo 8º do C, é issível o ajuizamento de ação rescisória para adequar julgado realizado antes de 13 de maio de 2021 à modulação de efeitos estabelecida no Tema 69 STF Repercussão geral.
Em sua visão, a controvérsia julgada em recursos repetitivos deve se restringir à hipótese da modulação da “tese do século”. Caso o colegiado decida avançar para a aplicação da Súmula 343, como fez o relator, ele também divergiu.
Tese proposta
A ação rescisória em matéria constitucional revela-se incabível nos termos da Súmula 343 STF apenas na hipótese em que, ao tempo de sua prolação, o acórdão rescindendo estiver em conformidade com precedente do Plenário do STF ou com a jurisprudência dominante, ainda que qualquer deles tenha sido posteriormente alterado.
REsp 2.054.759
REsp 2.066.696
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