fundadas razões?

Nervosismo como justificativa para ação policial divide turmas criminais do STJ

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31 de maio de 2025, 9h53

Alegações de nervosismo e outras atitudes banais, interpretadas como suspeitas por policiais em patrulhamento, servem para justificar abordagens pessoais?

Polícia Militar PM viatura

Nervosismo e suspeitas em situações banais têm causado divergência no STJ

A dúvida está cada vez mais latente nas turmas de Direito Criminal do Superior Tribunal de Justiça. Julgamentos recentes mostram colegiados divididos sobre o que, de fato, é fundada razão e o que é mero tirocínio policial.

A avaliação mais recente foi feita pela 6ª Turma do STJ, motivada por decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico.

Dos cinco Habeas Corpus analisados, dois terminaram com a validação da atuação policialesca de guardas municipais, tema já resolvido por decisão vinculante do STF.

Os outros três envolveram a análise de fundadas razões e, por 3 votos a 2, a conclusão da 6ª Turma foi de que a ação policial não foi bem justificada, o que gerou nulidade das provas e absolvição dos acusados.

No caso mais notório, do HC 862.206, os policiais fizeram a abordagem porque notaram uma mudança de comportamento nos suspeitos: ao verem a viatura, um deles ou a soltar pipa e outro sentou-se rapidamente no chão.

Os ministros Antonio Saldanha Palheiro (relator) e Og Fernandes votaram por validar as provas. Abriu a divergência o ministro Sebastião Reis Júnior, para quem a justificativa foi subjetiva e insuficiente. Votaram com ele o ministro Rogerio Schietti e o desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo (Tribunal de Justiça de São Paulo).

“Empinar pipa e ficar sentado é motivo para abordagem?”, indagou Schietti, nos debates. “Motivo para abordar é a suspeita do policial em uma situação que é difícil até descrever. Pelo fato de disfarçar um comportamento e pegar a pipa, eles (policiais) acharam que sim. Tanto que apreenderam 57 pedras de crack”, disse Saldanha.

Divisão interna

Saldanha Palheiro e Og Fernandes formam a corrente da 6ª Turma com posição menos restritiva em relação às justificativas policiais para abordagem pessoal.

Og Fernandes se baseia em jurisprudência do STF. Tanto a 1ª Turma do Supremo quanto a 2ª Turma, que costuma ser mais garantista, têm validado ações policiais justificadas de forma mais genérica.

Já Saldanha Palheiro não vê qualquer problema nesse tipo de abordagem. “Do jeito que a criminalidade está eclodindo, não podemos tolher a polícia de fazer abordagem. Você pode tolher a forma de abordar: se for grosseira, com hostilidade. Agora, se for algo pessoal, de ‘por favor, encoste que eu vou fazer uma revista’, não vejo problema nenhum.”

Por enquanto, o fiel da balança é o desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo, que está com os dias contados na 6ª Turma. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já indicou um dos nomes para as duas vagas abertas no STJ — o desembargador Carlos Brandão, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que ará por sabatina no Senado e, se aprovado, poderá escolher a cadeira.

Toledo vem formando a maioria junto com Sebastião Reis Júnior e Rogério Schietti para afastar o que entendem como grau elevado de tirocínio policial na abordagem de pessoas.

Assustou e andou demais

Essa divisão interna ficou clara também no julgamento do AREsp 2.768.818, em que a 6ª Turma considerou ilícitas as provas decorrentes de uma abordagem feita porque o suspeito se assustou e começou a andar rapidamente ao ver os policiais.

“As buscas pessoal e domiciliar realizadas carecem de fundamento legal e constitucional, isso porque o simples fato de o réu ter se assustado e andado rapidamente ao avistar a guarnição policial não é justa causa”, disse o relator, Otávio de Almeida Toledo.

Abriu a divergência Og Fernandes. “O réu estava em conhecido ponto de tráfico e, ao perceber a presença da polícia, mudou seu comportamento, ando a andar rapidamente para não ser abordado”, justificou.

Nervosismo é fundada razão

Essa jurisprudência foi inaugurada o STJ pela própria 6ª Turma, em 2022, na tentativa de evitar que policiais pratiquem abusos em abordagens exploratórias “de rotina”, com base em elementos subjetivos.

A 5ª Turma do STJ também tem decisões por 3 votos a 2 sobre o tema. Uma delas teve a corrente vencedora para anular as provas de uma abordagem feita por policiais porque o suspeito “meio que titubeou” e fez um movimento “como quem queria voltar” ao ver a viatura.

Esse colegiado também terá sua composição alterada. Ele abriga a outra vaga aberta, atualmente ocupada pelo desembargador convocado Carlos Cini Marchionatti, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

O maior rigor do STJ sobre as fundadas razões vem sendo mesmo diluído. Pouco a pouco, a posição da corte vem sendo flexibilizada.

Um bom exemplo está nas abordagens motivadas pela fuga do suspeito ao ver a viatura. Inicialmente, as turmas criminais não consideravam essa atitude como fundada suspeita para a abordagem pessoal. Essa percepção mudou em julgamento da 3ª Seção, em 2024.

Ainda assim, a 6ª Turma vem sopesando bem o relato dos policiais sobre essas fugas. Quando não há elementos de comprovação — como as imagens das câmeras corporais —, as dúvidas são resolvidas a favor dos suspeitos.

Até mesmo a posição sobre a invasão de domicílio em casos em que suspeitos fogem para dentro de casa ao ver a viatura vem ando por transformações graças a decisões do STF validando essas ações policiais.

HC 887.292
HC 862.206
HC 862.206
HC 949.818
HC 949.818
AREsp 2.768.818

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