é advogado criminalista especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduando em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra.
Em recente julgamento, o STF fixou as seguintes teses acerca do acordo de não persecução penal:
1. Compete ao membro do Ministério Público oficiante, motivadamente e no exercício do seu poder-dever, avaliar o preenchimento dos requisitos para negociação e celebração do ANPP, sem prejuízo do regular exercício dos controles jurisdicional e interno;
2. É cabível a celebração de acordo de não persecução penal em casos de processos em andamento quando da entrada em vigência da Lei nº 13.964, de 2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento, desde que o pedido tenha sido feito antes do trânsito em julgado;
3. Nos processos penais em andamento na data da proclamação do resultado deste julgamento, nos quais, em tese, seja cabível a negociação de ANPP, se este ainda não foi oferecido ou não houve motivação para o seu não oferecimento, o Ministério Público, agindo de ofício, a pedido da defesa ou mediante provocação do magistrado da causa, deverá, na primeira oportunidade em que falar nos autos, após a publicação da ata deste julgamento, manifestar-se motivadamente acerca do cabimento ou não do acordo;
4. Nas investigações ou ações penais iniciadas a partir da proclamação do resultado deste julgamento, a proposição de ANPP pelo Ministério Público, ou a motivação para o seu não oferecimento, devem ser apresentadas antes do recebimento da denúncia, ressalvada a possibilidade de propositura, pelo órgão ministerial, no curso da ação penal, se for o caso”. (HC 185913 Relator(a): GILMAR MENDES, Plenário, DJE divulgado em 19/09/2024, publicado em 20/09/2024)
Como se vê, o Supremo Tribunal Federal validou o entendimento segundo o qual é cabível a celebração do ANPP nas ações penais em andamento, quando da entrada em vigor da Lei Anticrime, desde que não tenha havido o trânsito em julgado.
Ofensa à lógica de acordo justo
Diante de tal cenário, em casos nos quais sejam aplicáveis as teses fixadas pelo STF, não surpreenderia que o órgão acusatório oferecesse condições para celebração do ANPP absolutamente desvinculadas da sentença ou acórdão condenatório.
É dizer, há possibilidade do órgão acusatório, para fins de cumprimento do novel posicionamento pretoriano, formular condições para celebração do acordo mais gravosas que a própria pena imposta pela sentença ou acórdão condenatório já prolatado no caso concreto, o que, a toda evidência, ofenderia a lógica de um acordo justo.
Por exemplo, imagine-se que a sentença ou acórdão converta a pena privativa de liberdade aplicada em duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade pelo prazo da pena imposta e prestação pecuniária de um salário-mínimo. Ao oferecer o acordo, o órgão acusatório impõe como condição o pagamento de prestação pecuniária maior que a prevista na sentença ou acórdão.
Spacca
Tal proceder não nos parece infactível, ainda mais considerando as práticas corriqueiras adotadas nos foros.
Seria uma espécie de efeito backlash para tudo continuar como está.
Condições para ANPP piores que sentença
Evidentemente, o exemplo trazido não esgota as infindáveis possibilidades criativas que podem surgir, mas, desde já, serve de alerta para referenciar os trágicos efeitos que podem derivar da acertada decisão do STF.
Entendemos que, caso o órgão acusatório ofereça condições para o ANPP mais gravosas ao acusado que as previstas na própria sentença ou acórdão condenatório, restará configurada flagrante abusividade dos termos do acordo proposto, exigindo-se que o Juízo devolva os autos ao Ministério Público para reformular a proposta do acordo em condições mais benéficas ao acusado, nos termos do artigo 28-A, § 5° do P.
A nosso ver, o órgão acusatório, ao formular o ANPP estará adstrito à sentença ou acórdão condenatório, somente podendo formular condições para o acordo mais benéficas ao acusado.
Princípio da boa-fé objetiva
Ora, caso seja permitido ao Ministério Público formular condições para o acordo mais gravosas que os próprios termos da sentença ou acórdão, haveria a validação de uma espécie de reformatio in pejus para a aceitação de um benefício previsto em lei, o que seria inissível à luz dos princípios basilares do sistema penal.
Além disso, entendemos que referida conduta também feriria de morte o princípio da boa-fé objetiva, especialmente no que tange aos deveres anexos da lealdade e cooperação, haja vista que seria capaz de subverter a aplicação de um instituto despenalizador fomentado pelo legislador.
Em suma, esperamos que o entendimento do STF seja plenamente aplicado em favor do acusado, sem quaisquer katchangasreais [1] por parte da acusação.
[1] Para quem ainda não conhece a metáfora da katchanga, vale a leitura do seguinte artigo do mestre Lenio Streck: STRECK, Lenio Luiz. A Katchanga e o bullying interpretativo no Brasil. Revista Consultor Jurídico. 20 de setembro de 2024. Disponível em: </2012-jun-28/senso-incomum-katchanga-bullying-interpretativo-brasil//>. o em 20 de setembro de 2024.
é advogado criminalista, especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, e pós-graduando em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra.
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