Uso de princípio jurídico para preencher lacuna normativa é amparado pela LINDB
9 de maio de 2025, 8h54
Os especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico concordam: a garantia de direitos não previstos em lei com base em princípios jurídicos é perfeitamente válida.
Esse entendimento, previsto de maneira expressa na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), norteou uma decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que autorizou, por unanimidade, a mudança de gênero no registro civil de uma pessoa não binária. Para chegar a essa conclusão, os ministros invocaram o princípio da dignidade humana.

STJ se baseou no princípio da dignidade humana para conceder retificação no registro civil a pessoa não binária
A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso julgado pela 3ª Turma, argumentou que a lacuna normativa não poderia ser usada como justificativa para que as pessoas não binárias ficassem desamparadas. No caso concreto, o pedido havia sido negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo com o argumento da falta de previsão legal para a adoção do gênero neutro no registro civil.
Em alguns estados (Rio Grande do Sul, Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Ceará, além do Distrito Federal), é possível fazer a retificação de gênero para não binário diretamente nos cartórios. Nos outros, porém, é necessário ajuizar uma ação de retificação de nome e gênero.
O Supremo Tribunal Federal garantiu o direito à alteração de nome e gênero de pessoas trans na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.275, mas essa decisão não incluiu as pessoas que não se encaixam em gênero algum, que se viram em um limbo jurídico.
Princípios impedem omissões da lei
No entendimento do professor Cássio Scarpinella Bueno, o uso de um princípio para preencher uma lacuna na lei, como ocorreu no caso julgado pelo STJ, está amparado pelo artigo 4º da LINDB, que diz: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
Segundo ele, a tendência é que a decisão da corte superior seja observada pelos demais órgãos jurisdicionais. “O caso não foi tratado como recurso repetitivo, mas não há como duvidar que se trata de uma decisão inédita, importantíssima, do tribunal que, por missão constitucional, tem como objetivo dar a última palavra sobre a interpretação do Direito infraconstitucional federal.”
A advogada Cíntia Cecílio também entende que é válido usar um princípio jurídico para cobrir uma brecha normativa. Para ela, o papel dos juristas e magistrados é acompanhar as mudanças e evoluções da sociedade, de forma que seja possível garantir a todas as pessoas os direitos apresentados na Constituição.
A decisão do STJ, segundo a desembargadora aposentada Maria Berenice Dias, especialista em Direito de Família, foi tomada na esteira de avanços que a Justiça já concedeu à população trans. E, segundo ela, a própria Constituição dá poder aos princípios jurídicos. “A Constituição consagra princípios e a lei deve dar efetividade. Se não dá efetividade, há uma omissão legislativa.”
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